ARTIGOS

Eduardo F. Rebuzzi
Presidente da Federação do Transporte de Cargas do Estado do Rio de Janeiro – FETRANSCARGA
  • Responsabilidade em transportar

    Junho/2018

    No dia 14 de junho, o SINDICARGA completou 85 anos, a primeira entidade empresarial do Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) no Brasil, fundada em 1933, sendo o primeiro presidente Othon J. Antunes, em nome do qual estendo a minha homenagem aos 16 presidentes que se sucederam até aqui, juntamente com suas diretorias.

    O setor evoluiu muito ao longo desse tempo e, atualmente, o SINDICARGA faz parte de uma grande estrutura representativa, sob a liderança da Confederação Nacional do Transporte (CNT), ao lado de centena de Sindicatos, 38 Federações e 25 Associações Nacionais, além do SEST SENAT, atualmente com 146 unidades de atendimento social e de aprendizagem no país, devendo chegar a 203 unidades até o final deste ano.

    O TRC emprega mais de 2,5 milhões de trabalhadores, constituído por cerca de 200 mil empresas, e com uma frota de 2,7 milhões de veículos de transporte de cargas, movimentando diretamente mais de 60% da produção nacional, sendo também o único modal que interage com todos os demais, propiciando assim a imprescindível rede da intermodalidade. Ou seja, temos muitos motivos para valorizar esse setor estratégico e comemorar, ao lado de nossos colaboradores, fornecedores e clientes, o aniversário do SINDICARGA, semente de tudo que fazemos pelo Brasil.

    Mas o setor também passa por momentos de mudança e preocupações no exercício diário de nossa atividade. Entre as mazelas mais conhecidas e debatidas repetidamente em diversos fóruns, está a insegurança pública em todo o país e, em especial, na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde convivemos com absurdos índices de roubo de cargas, ferindo seriamente a atividade econômica do Estado, colocando em risco trabalhadores, mercadorias transportadas e caros equipamentos, assustando toda a cadeia produtiva e afastando investimentos, reduzindo empregos e agravando o quadro econômico e social.

    Outros pesados gargalos fazem parte da rotina e das planilhas de custos operacionais das empresas transportadoras, como a debilitada infraestrutura de logística nacional – apenas pouco mais de 10% dos 1.735.621 km de rodovias é pavimentado, desmentindo o clichê de que o Brasil é um país rodoviarista. Se realmente fosse, teríamos aqui rodovias de qualidade servindo não só aos veículos de cargas, mas a todos nós, que usamos as estradas para os necessários deslocamentos de trabalho e de lazer.

    Nesse sentido, as pesquisas divulgadas regularmente pela CNT apontam, de forma detalhada, com o objetivo de contribuir com as autoridades públicas, as condições e demandas das principais rodovias brasileiras, visando um planejamento e ações para a necessária melhoria.

    Recentemente, em mais um competente trabalho, a CNT entregou à sociedade o estudo “Transporte rodoviário: acidentes rodoviários e a infraestrutura”, em cujo documento são apresentados os principais fatores que contribuem para a ocorrência dos acidentes, relacionando-os com as características da infraestrutura rodoviária existente nos locais em que eles ocorrem, mapeando, ainda, os 100 trechos rodoviários onde se concentra o maior número de mortes.

    Cabe-me também, pela força do momento e do cargo que ocupo, mencionar o recente movimento de paralisação dos caminhoneiros, com sérias consequências para a sociedade e economia nacional, para fazer um registro objetivo da valorização do trabalho realizado pelas empresas e suas lideranças, contestando de forma veemente as notícias divulgadas pela mídia, no sentido de que o setor empresarial promoveu um locaute, liderando tal processo e paralisando a sua frota própria.

    Desde o ano passado, o setor empresarial vinha alertando o Governo sobre a inviabilidade da política de reajuste diário do preço do diesel, um insumo básico que representa cerca de 30% do custo operacional dos caminhões, onerando igualmente os autônomos e frotistas, que não conseguiam repassar essa variação para o contratante dos serviços de transportes, assumindo integralmente o prejuízo e, por força de cumprimento dos contratos, continuando com a prestação dos serviços.

    Preocupadas e conscientes da importância estratégica do TRC para o País, as entidades, além de virem alertando as autoridades, posicionaram-se de forma compreensiva aos motivos apresentados pelos autônomos, mas jamais incentivando bloqueios e paralisações, apenas orientando aos seus representados quanto aos possíveis riscos de incidentes nas rodovias, que não teriam, inclusive, cobertura securitária.

    Temos certeza de que a verdade prevalecerá, os inocentes serão assim reconhecidos e terão a justiça ao seu lado.

    Nota: artigo originalmente publicado na revista Eu Amo Caminhão – Junho/2018

  • Fratura exposta!

    Abril/2017

    Recentemente, em Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), sobre os descontrolados índices de roubo de cargas que ocorrem no Rio, após a abertura feita pela deputada Martha Rocha e apresentação de outros palestrantes, fiz uso da palavra para comentar o quadro caótico em que nos encontramos, sociedade e economia do estado, em relação à violência em todos os cantos da cidade, e me referi, entre outros, a dois pontos que gostaria de ressaltar aqui.

    O primeiro, pela chegada de outras entidades associativas e empresariais na corajosa e destemida luta contra esse tipo de crime. Diferentemente do nosso TRC, que atua há décadas, junto às autoridades de todos os níveis do país, como se fosse o único setor que assim devesse agir, instituições como FIRJAN, ACRio, ADERJ, ASSERJ somente agora passaram a atuar ao nosso lado e, ratifico, são muito bem-vindas e, com certeza, aumentam a força com que teremos mais condições de obter melhores resultados em nossas investidas.

    O segundo, ao usar a expressão “fratura exposta”, para definir a criminalidade no Rio, no caso específico do roubo de cargas. Assim como em outros eventos sobre o tema, muito se falou nessa Audiência Pública com relação à necessidade de investigações para identificar e penalizar os receptadores e os bandidos de rua, aqueles que atacam os nossos veículos de carga de forma planejada ou atabalhoada, sem aparente receio de serem combatidos.

    Trata-se de uma fratura exposta, sim, pois todos já sabem quem são e o que faz cada um nessa grande corrente do mal. O que falta então? Ação e legislação! Parece simples, mas sabemos que não é, tendo em vista estarmos muito mal nesses dois requisitos.

    O tema roubo de cargas está sendo amplamente tratado nesta revista, e não vou me aprofundar com mais comentários a respeito. Entretanto, vou roubar a expressão “fratura exposta” para me referir, também, a outros fatos e falhas de nossa vida nacional.

    Começarei pela septuagenária legislação trabalhista, que, finalmente, está passando por uma imprescindível correção, de forma a tornar as relações contratuais do trabalho mais compatíveis com o mundo e a velocidade de mudanças atual. Ainda não será perfeita e talvez jamais venha a sê-lo, mas precisa ser ajustada. Só parecem não saber disso aqueles que se beneficiam com as injustas confusões geradas pelas letras da lei, que não retratam, há muito tempo, o que efetivamente acontece na rotina das relações produtivas do trabalho.

    Tivemos algumas conquistas no andamento do PL no Congresso Nacional nos últimos dias, inclusive quanto ao ponto em que o que for negociado entre as partes prevalecerá sobre o legislado. Contudo ainda temos um duro caminho a percorrer até que se estabeleçam as condições necessárias para que investidores tenham confiança para aplicar aqui seus recursos, gerando, consequentemente, trabalho, riquezas e melhor qualidade de vida.

    Outras fraturas expostas permanecem sangrando o país, como a deficiente infraestrutura de logística e transporte, o desequilíbrio fiscal de grande parte dos estados brasileiros, a falta de ética e de senso de brasilidade em muitos homens “públicos” que ocupam os mais importantes cargos da República, a poluição e o jogo de interesses que reina no exagerado número de partidos e na forma como se conduz os assuntos vitais para o Brasil.

    É caso de emergência, com hemorragia e infecção. Por isso, confio em que os doutores brasileiros já tenham feito o laudo do quadro e não mais aceitem imposições de cima para baixo.

    Os doutores somos nós.

    Nota: artigo originalmente publicado na revista Eu Amo Caminhão – Abril/2018

  • CONET / NTC – Conversando com a realidade

    Fevereiro/2017

    No final do meu último artigo, publicado no mês passado, convoquei as demais lideranças, empresários e executivos do TRC para participar do CONET&Intersindical da NTC (Associação Nacional do Transporte e Logística), então prestes a ser realizado, no período de 9 a 12 de fevereiro, em Rio Quente (GO).

    Pois bem, lá estivemos, com duas centenas de participantes de todo o país para, em dois dias de intensos debates, tratar de alguns dos problemas que precisam ser resolvidos ou encaminhados em nosso setor, em especial, a absurda defasagem dos fretes, a calamidade dos roubos de cargas e o injusto passivo trabalhista provocado pelas ultrapassadas leis e desconectadas sentenças nas milhares de ações promovidas contra as empresas.

    Começando pela defasagem dos fretes, para começar a agonia, os números da pesquisa apresentada pelos técnicos da NTC mostraram que, em 84% das 1.785 empresas consultadas, houve uma queda média no faturamento de 2016 de quase 20% (19,13%), sendo que, para as que fazem lotação, tal perda atingiu quase 90% (87%), demonstrando que a queda no PIB de mais de 7% nos últimos dois anos tem sido implacável com o TRC, conforme também atesta a ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), que informa uma redução do índice de passagem de veículos pesados nas praças de pedágio de 14,81%, em relação a 2013, e de 6,72% apenas no ano passado.

    Na contramão em “pista simples”, a mesma pesquisa mostrou o pesado aumento nos custos, com salários subindo 8,72%; combustível, 4,25%; despesas administrativas, 9,20%; manutenção, 6,58%; veículos, 5,61%, e lavagem, 8,40%, além da dificuldade de cobrança do frete-valor e das taxas adicionais, como o GRIS – Gerenciamento de Risco e a TRT – Taxa de Restrição de Trânsito, entre outras, cujos custos são suportados integralmente pelas empresas de transporte.

    Ou seja, como sobreviver com queda de faturamento, perda de eficiência e de aproveitamento provocados pela redução do volume de carga transportada, ociosidade das estruturas operacionais e o aumento de custos que as empresas não conseguem repassar, aliados ao alargamento cada vez maior dos prazos de pagamento e do crescimento da inadimplência dos fretes, esta última chegando a 14,90%, segundo a pesquisa acima mencionada?

    Espera-se que a economia volte a ter um PIB positivo este ano, o que não deverá ser difícil ocorrer considerando a base negativa comparativa dos últimos anos. Mas não podemos ter aumento do volume de carga sem equacionarmos, antes, os valores cobrados dos nossos clientes. O CONET de fevereiro deste ano aponta, com a firmeza dos números levantados, uma defasagem nos fretes de 24,83% na carga lotação e de 11,77% na carga fracionada.

    É imperativo, para o bem do TRC e para a economia em geral, que se recupere o equilíbrio nas contas de crédito e débito, sob o risco de vermos o fechamento de mais empresas e consequentes dificuldades futuras para o atendimento de um mercado que demande mais os nossos imprescindíveis serviços, o que poderia acarretar um colapso para a economia e a sociedade brasileira.

    Quanto ao roubo de cargas, devido aos índices crescentes sob a lamentável liderança nacional das ocorrências registradas no Rio de Janeiro, para as empresas poderem suportar o aumento com gastos na rubrica segurança, estabeleceu-se a criação de uma taxa emergencial a ser cobrada sobre o valor das mercadorias transportadas que tenham origem ou destino o Rio de Janeiro – a EMEX – Emergência Excepcional –, com percentual entre 0,3 e 1%, a ser negociado entre as empresas de transporte e seus clientes, com uma taxa mínima de R$ 10,00 para cada 100kg ou fração.

    Como o espaço aqui é limitado, falarei, em outra oportunidade, mais detalhadamente dos demais pontos tratados no CONET. Mas quero registrar, mais uma vez, a importância da realização desses eventos pela NTC, oportunidade em que todo o Brasil se reúne para conversar com a realidade do nosso setor.

    E o próximo CONET será realizado na Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro, no período de 3 a 6 de agosto deste ano, quando teremos a honra de receber a todos, em apoio à competente equipe da NTC&Logística.

  • Superar 2017, para um futuro melhor

    Janeiro/2017

    Para o setor do Transporte Rodoviário de Cargas, o ano de 2016 não apresentou bons resultados. Nossas empresas, além dos inúmeros problemas enfrentados no dia a dia da rotina gerencial e na circulação de nossos veículos nas rodovias e vias urbanas de todo o país, conviveram com pesada redução nos valores dos fretes, provocada pela queda de receita que abate as demais atividades econômicas. Ao mesmo tempo, tiveram elevação de custos, com o aumento dos valores da mão de obra; dos insumos, como diesel e outros, e da perda da eficiência operacional, em função do menor volume de carga transportada e das diversas restrições de trânsito impostas pelas prefeituras.

    Entre tantos problemas, como amplamente divulgado, o roubo de cargas alcançou índices absurdamente elevados, praticado a qualquer hora do dia e em todos os lugares, sem o menor temor por parte dos criminosos, que identificaram nessa presa fácil um grande “produto” para arrecadar recursos e suprir financeiramente a estrutura das quadrilhas do tráfico e comércio de drogas e de armas.

    Aliadas a isso, as leis de que dispomos ainda não têm o imprescindível rigor para manter, atrás das grades, aqueles que atuam nesse tipo de crime, seja cometendo assaltos nas vias públicas com pesados armamentos, seja receptando mercadorias surrupiadas, colocando-as nas prateleiras do comércio “legalizado” ou nos estoques de matérias-primas de algumas indústrias.

    O que pode gerar uma boa expectativa, digamos assim, nessa área, é o fato de que tal quadro caótico chegou ao ponto de, finalmente, chamar mais a atenção dos governos federal e estaduais, e dos próprios embarcadores, clientes do TRC, além da imprensa como um todo, no sentido de passarem a ver esse tipo de ação criminosa como uma séria ameaça aos investimentos produtivos e à geração de empregos, ao abastecimento da sociedade e aos seus próprios negócios.

    Essa conscientização a fórceps, e após a representativa reunião realizada em Brasília, em novembro do ano passado, sob a liderança da NTC&Logística, culminou com a resposta do Ministério da Justiça, criando, no final de 2016, o Comitê da Política Nacional de Repressão ao Furto e Roubo de Cargas que, em sua primeira reunião, realizada no último dia 10, nas dependências do próprio Ministério da Justiça, formou quatro importantes grupos de trabalho – de Inteligência, Operacional, Legislação e Tecnologia/Sistemas –, que trabalharão de maneira integrada e coordenada, e contarão sempre com a colaboração da NTC, de outras entidades e dos próprios empresários.

    Com relação à infraestrutura logística, base do transporte, o Brasil continua com seu quadro negativo em todos os modais, destacando aqui a Pesquisa CNT de Rodovias 2016, que avaliou 103.259 km, em sua 20ª edição, ou seja, quase a metade da extensão pavimentada das rodovias nacionais (211.468 km), que representam, apenas, 12,3% de toda a malha rodoviária composta por 1.720.756 km. Nesses quilômetros avaliados, o resultado foi que 58,2% apresentaram algum tipo de deficiência, seja no Pavimento, na Sinalização ou na Geometria da Via, comprometendo significativamente o desempenho operacional e a segurança dos usuários.

    Afetam o TRC, também, de forma grave – por ser uma atividade que emprega muito e necessita de dinamismo e agilidade –, as ações trabalhistas que, em sua grande maioria, acabam em processos irreais e com sentenças absurdas, geradoras de um impagável e injusto passivo trabalhista.

    Por não ter como abordar outros temas de semelhante relevância neste curto espaço de uma página, chamo a atenção e convoco as demais lideranças, empresários e executivos do TRC para participar do próximo CONET&Intersindical, que será realizado pela NTC em Rio Quente – GO, no período de 9 a 12 de fevereiro de 2017, quando todos os assuntos de interesse do setor serão debatidos, em especial, a defasagem dos fretes e o roubo de cargas.

    Importante mantermos muita união e consequente representação para superar este ano de 2017, que ainda será de muitas mudanças e ajustes, visando um futuro melhor nos próximos anos.

    Este é o nosso compromisso!

  • Os rumos do País em nossas mãos

    Dezembro/2016

    Em fevereiro último, com base no que vinha acontecendo no Brasil nos últimos anos e, também, procurando antever os caminhos que seriam percorridos em 2016, invoquei o espírito dos Três Mosqueteiros, na verdade quatro, Athos, Porthos, Aramis e d’Artagnan, cujo lema era “Um por todos, todos por um”, chamando à responsabilidade a sociedade brasileira, representada pelas instituições organizadas, para exigir, de baixo para cima, um ordenamento dos poderes instalados em todos os níveis e regiões do país, batendo à porta do Legislativo, Executivo e Judiciário federais.

    Na ocasião, concluí: ou nos unimos e tentamos mudar o nosso Brasil, ou deixemos que prevaleça o cada um por si e Deus por todos.

    Pois bem, inegavelmente, o que não faltou em nosso país, no ano que se encerra, foi ação, tanto na mobilidade social quanto nos processos judiciais, que se avolumaram em torno da Operação Lava Jato e acarretaram significativas mudanças na gestão do país e dos estados, culminando com o afastamento dos titulares dos principais Poderes, como a da Presidência da República e o da Câmara dos Deputados, entre outros.

    Mas o país, lamentavelmente, ainda patina e muito nesse lamaçal, criando insegurança jurídica e dificuldades profundas na economia, com afastamento de investidores e suspensão de projetos, gerando o alto índice de desemprego que vem massacrando famílias e jovens, e agravando o quadro de temor geral, especialmente no nosso querido Estado do Rio de Janeiro. Com finanças totalmente descontroladas, o governo estadual perdeu a capacidade de gestão e o equilíbrio necessário dentro do legislativo.

    Outros estados também seguem nesse mesmo desequilíbrio, e a percepção da maior parte dos brasileiros é de falta de controle e de esperança, pelo menos a médio prazo.

    E o que nos cabe, como entidades com lideranças empresariais tradicionais, com histórias de nacionalismo e de defesa do país? Ousar! Sim, atuar de forma equilibrada e ainda mais contundente, em defesa da harmonia nacional. Não podemos ficar reféns dos fatos gerados pelos que teriam a obrigação de zelar e tratar dos recursos arrecadados, que não são “públicos”. Como bem disse a Primeira Ministra do Reino Unido, Margareth Tatcher: “Não existe dinheiro público. Existe apenas dinheiro do pagador de impostos”.

    Este é o nosso compromisso maior. Valorizar aqueles que seguem esta linha e agem com correção, e pressionar os que não exercem seus papéis de forma honesta e competente para o país.

    2017, pelas previsões de empresários, economistas e outros analistas, também será um ano muito difícil, com crescimento do PIB rondando o zero. Temos pautas importantes a serem tratadas, como reforma da legislação trabalhista, previdenciária, simplificação tributária e combate ao roubo de cargas, entre outros.

    Empresas em geral investiram muito nos últimos anos e, com a queda nos volumes de faturamento e de margens, além do aumento nos custos, deverão ter muita atenção e agilidade nas decisões, procurando antecipar as melhores alternativas.

    No nosso segmento, o TRC, não é diferente, inclusive considerando que somos atividade-meio. Vamos continuar a postos e dispostos a colaborar com nossas empresas e trabalhadores.

    A vida continua. Vamos sempre olhar para a frente, sabendo que o rumo do país também está em nossas mãos.

    Boas Festas e fraterno abraço.

  • Parcerias estratégicas

    Setembro-Outubro/2016

    Segundo definição de Aurélio Buarque de Holanda, parceria é uma “reunião de pessoas para um fim de interesse comum; sociedade, companhia”, podendo ser desenvolvida e aplicada em diversas áreas da relação humana e social, como em negócios, programas sociais e esportivos, e até na composição de músicas, entre tantas outras coisas.

    Mas quero destacar algumas parcerias que se deram no âmbito da nossa ACRio, nos últimos anos, relativas mais especificamente às atribuições do Conselho Empresarial de Logística e Transporte, apresentadas como base para o desenvolvimento econômico e bem-estar social.

    Refiro-me, exatamente, aos entendimentos mantidos tanto com o Governo do Estado como com a Prefeitura do Rio de Janeiro.

    Com relação ao Estado, causava estranheza, aos que atuam no setor do transporte de cargas, a falta de um planejamento estrutural de médio e longo prazo que trouxesse, à luz da razão e do desenvolvimento, os debates sobre o papel do Rio de Janeiro na conjuntura logística regional e nacional, praticamente se desprezando a já consistente infraestrutura que temos aqui, bem como o potencial de negócios e riqueza que podemos gerar.

    Da mesma forma, com relação à nossa capital, com quase 7 milhões de habitantes para serem atendidos, não se encontrava, na respectiva Secretaria Municipal de Transportes, qualquer papel que falasse de como esse número de pessoas e empresas comerciais e industriais aqui instaladas, seriam abastecidas por insumos, bens e produtos para consumo, de forma planejada e eficiente, sendo importante considerar, ainda, os portos e aeroportos que também dependem do mesmo serviço de transporte rodoviário.

    Trago esses dois pontos para destacar e valorizar as parcerias que firmamos com os dois níveis de gestão pública, ao ajustar e lançar, com a Secretaria de Estado de Transporte, o Plano Estratégico de Logística e Cargas – PELC RJ 2045 e, com a Prefeitura do Rio, a instalação da Comissão Especial para tratar do transporte, logística e distribuição de cargas em nosso município.

    Ambas as parcerias também servirão de base para criarmos, no Rio, a Zona Internacional de Serviços de Logística – ZIS-L, ampliando a área de atuação de nossos ativos logísticos, empresas e trabalhadores, para os estados vizinhos da Região Sudeste, com extensão também para os produtos oriundos e destinados ao Centro-Oeste brasileiro.

    Trata-se, portanto, de clara e objetiva união da representação empresarial com os entes públicos, criando condições para o desenvolvimento econômico de nosso estado e cidade, ambos maravilhosos, aumentando a competitividade e a geração de negócios, e proporcionando mais trabalho e melhoria da qualidade de vida de nossos cidadãos.

Neuto Gonçalves dos Reis
Ex-Diretor Técnico Executivo da NTC&Logística, membro da Câmara Temática de Assuntos Veiculares do CONTRAN e presidente da 24ª JARI do DER-SP
  • A NTC diante de um ministro teimoso

    O seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C) só se tornou obrigatório a partir do Decreto-Lei nº 73/66.

    Antes, era muito difícil contratar este seguro. Na década de 50, segundo depoimento de Attilio Giacomelli, um dos fundadores e primeiro gerente executivo da NTC&Logística, muitas empresas desapareceram por terem sido condenadas pela Justiça a pagar indenizações por perdas e danos para as quais não tinham reserva.

    Sua finalidade é transferir o risco, pela chamada responsabilidade objetiva do transportador em relação à integridade das mercadorias que lhe são confiadas, contra os riscos de acidentes e avarias.

    Obrigação de fazer

    Segundo o falecido jurista Miguel Reale, existe na atividade de transporte uma obrigação de resultado. “Quando a estrutura ou natureza de um negócio, como o de transportes, implica a existência de riscos inerentes à atividade desenvolvida, impõe-se a responsabilidade objetiva de quem dela tira proveito, haja ou não culpa”.

    Conforme o artigo 750 do atual Código Civil, “a responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele e seus prepostos recebem a coisa, e termina quando é entregue ao destinatário ou depositado em juízo, se aquele não for encontrado”.

    Reza ainda o artigo 149 que “o transportador conduzirá a coisa a seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto”.

    A Lei nº 11.442/07 confirmou esta responsabilidade objetiva, mas fixou claramente as situações nas quais o transportador pode se eximir dela:

    • ato ou fato imputável ao expedidor ou ao destinatário da carga;
    • inadequação da embalagem, quando imputável ao expedidor da carga;
    • vício próprio ou oculto da carga;
    • manuseio, embarque, estiva ou descarga executados diretamente pelo expedidor, destinatário ou consignatário da carga, ou, ainda, pelos seus agentes ou prepostos;
    • força maior ou caso fortuito;
    • contratação de seguro pelo contratante do serviço de transporte.

    Estes riscos são cobertos pelo Seguro de Transporte Terrestre (RR), obrigatório para o embarcador.

    Determina o Decreto-Lei nº 73/66 que a regulamentação do RCTR-C seja feita depois de ouvida a Comissão Consultiva de Transportes do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP / MF).

    Valor versus frete

    As condições gerais, tarifas e taxas do RCTR-C foram aprovadas pelo CNSP por meio da Portaria 10/69. Esta Portaria introduziu uma matriz de dupla entrada, com alíquotas variáveis (de 0,02 até 0,31%) sobre o valor das mercadorias, contemplando como origens e destinos os 25 Estados existentes à época. Esse sistema funcionou bem durante oito anos.

    Em 17 de dezembro de 1973, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) submeteu ao CNSP uma proposta de reformulação do RCTR-C, propondo mudança radical do sistema de taxação. A alíquota seria padronizada em 4% e passaria a incidir sobre o valor do frete, e não mais sobre o valor da mercadoria.

    Uma das justificativas era que a nova sistemática reduziria bastante as 625 alíquotas até então existentes na matriz origem/destino. Esta suposta simplificação facilitaria também o cálculo do valor do seguro pelo usuário. A verdade, no entanto, é que existiam apenas 35 taxas diferentes, que se repetiam em vários trajetos.

    Um dos objetivos declarados do governo era evitar o transporte sem seguro. Alegava que a cobrança sobre o frete, praticada em vários países do mundo e pelo transporte marítimo brasileiro, reduziria as possibilidades de se descumprir essa obrigação legal.

    Ao mesmo tempo, a medida reduziria o custo administrativo, por meio da substituição das averbações por viagem por uma relação mensal de conhecimentos.

    A NTC vislumbrou na proposta “um fator de discriminação e de encarecimento para os produtos de maior importância na economia popular”.

    Para o falecido líder Orlando Monteiro, a mudança seria ineficaz para combater o problema principal, a sonegação do seguro, que só seria eliminada com maior fiscalização.

    A proposta hibernou por longo tempo. No entanto, no dia 4 de maio de 1978, ressurgiu, com pequenas adaptações. Uma delas foi a redução da alíquota, de 4% para uma faixa de 1,5% a 2,5%.

    Sistema inadequado

    A NTC desenvolveu estudo demonstrando que a cobrança sobre o valor de frete, além de aumentar os custos, especialmente para os gêneros alimentícios, materiais de construção, produtos siderúrgicos e matérias-primas, era totalmente inadequada para a finalidade de calcular o prêmio.

    Quanto menor o valor da mercadoria, maior o agravamento. As mercadorias mais nobres acabariam subsidiadas pelas mais baratas.

    A medida feria de morte a espinha dorsal do RCTR-C. Se o seguro cobre a responsabilidade pela mercadoria, o referencial para transferência dos prejuízos não pode ser outro senão o valor de tal mercadoria.

    A partir do momento em que a base de cálculo passa a ser a tarifa cobrada, o valor do seguro passa a ser influenciado por vícios e distorções do mercado de fretes, como as oscilações causadas pela lei da oferta e da procura ou pelas variações sazonais, frete de retorno, aviltamento de tarifas etc. O resultado é que um mesmo valor segurado acabaria sujeito a prêmios diferentes para os mesmos riscos.

    A entidade concluiu que haveria aumento médio de 30% no custo dos seguros. Para muitas empresas, os aumentos superariam 300%. Apenas 26,2% das transportadoras teriam redução média de 25,2%.

    Em maio de 1975, o IV Congresso Nacional do Transporte Rodoviário de Carga, realizado no Anhembi, em São Paulo, aprovou tese do assessor Luciano Pinho comprovando que a adoção da alíquota de 4% sobre o frete oneraria sobretudo as cargas de baixo valor. Os aumentos dos prêmios oscilariam entre 355% e 3404%. Afirmava ainda que, tecnicamente, a tarifa só poderia incidir sobre o valor da mercadoria. Por fim, defendia a manutenção do sistema em vigor.

    Ministro teimoso

    Nada disso, no entanto, foi suficiente para demover o então ministro da Indústria e Comércio, Ângelo Calmon de Sá, líder do extinto e então poderoso Banco Econômico, da ideia de promover a alteração.

    Os verdadeiros motivos do ministro eram nebulosos. Falou-se em razões pessoais e até em problemas ocorridos com a mudança de Calmon de Salvador para Brasília. O certo é que o ex-ministro se empenhou no projeto de uma forma que chegou a surpreender os executivos das seguradoras, tanto pelo empenho quanto pela virulência.

    Numa reunião sobre o assunto, o chefe da Casa Civil, o poderoso general Golbery do Couto e Silva, chegou a concordar com os argumentos dos transportadores, mas teve que recuar diante da intransigência e da teimosia de Calmon, que teria ameaçado até renunciar ao cargo se fosse contrariado.

    Assim, em 4 de abril de 1978, passando por cima das recomendações da Comissão Consultiva de Transportes, veio a lume a Resolução CNPS 11/78, determinando que o cálculo passasse a ser feito aplicando-se uma taxa sobre o frete.

    “Este sistema não tem condições de sobreviver”, profetizou imediatamente o empresário Orlando Monteiro. “Foram mexer numa coisa que vinha funcionando perfeitamente bem”, lamentou o então presidente da NTC, Oswaldo Dias Castro.

    Capitaneadas pela NTC, as entidades do setor divulgaram “carta aberta” nos principais jornais do país, alertando para os perigos contidos no bojo da Resolução, inclusive para as metas da política anti-inflacionária do próprio governo.

    A entidade enviou também ofício ao presidente Geisel. Por sua vez, a Comissão Consultiva de Transportes do CNSP recomendou a revogação do diploma e determinou a realização de novos estudos, tendo como base estatísticas mais atualizadas.

    Diante da reação dos transportadores, o ministro interino da Indústria e Comércio, Lydio de Faria, prorrogou para 14 de setembro a entrada em vigor da Resolução, por meio da Portaria 11/78. Em 15 de setembro, o CNPS decidiu prorrogar este prazo por mais 60 dias.

    As autoridades concordaram também em constituir uma comissão para reestudar o assunto, que teria representante da NTC.

    Em 18 de dezembro de 1978, a CNSP baixou a Resolução CNPS 32/78, determinando que o cálculo passasse a ser feito aplicando-se uma taxa de 3% sobre o frete para a maioria dos produtos e 0,5% para determinadas mercadorias básicas.

    Volta às origens

    Posta em prática a Resolução, a experiência mostrou que a nova sistemática aumentara os custos e a sonegação. Com isso, a carteira de RCTR-C passou a ser pouco atrativa para as companhias de seguros.

    Em agosto de 1980, uma comissão que colocou na mesma mesa a NTC, o IRB, a FENASEG e a SUSEP acordou restabelecer a tabela nos moldes bem próximos à que existia antes.

    No início de 1982, mais de três anos depois, o governo acabou retornando ao sistema antigo. As 35 taxas existentes foram reduzidas para 22. A tabela passou a incluir o estado do Mato Grosso do Sul, antes inexistente. Os percentuais, no entanto, permaneceram praticamente os mesmos.

    Este foi mais um episódio no qual a decidida atuação da NTC, diante de um ministro teimoso, impediu a perpetuação de uma medida discriminatória, injusta, antissocial e, sobretudo, impraticável.

    [1] Os Primeiros Tempos, Coleção Memórias, NTC&Logística
    [2] Transporte Moderno, janeiro 1979
    [3] Brasil Transportes 146, junho 1978
    [4] Transporte Moderno, janeiro 1979
    [5] Brasil Transportes 146, junho 1978
    [6] Transporte Moderno, janeiro 1979
    [7] Transporte Moderno, fevereiro 1982
    [8] Transporte Moderno, fevereiro 1982
    [9] BR 152, dezembro 1978
    [10] Transporte Moderno, fevereiro 1982

    Fonte: NTC&Logística

  • Contran regulamenta fiscalização do Arla-32

    Atualmente, o consumo de Arla-32 é metade do que deveria ser se todos os caminhões e ônibus estivessem utilizando o produto de modo correto.

    O Arla 32 é um reagente que diminui a emissão de poluentes em alguns veículos a diesel. A substância é indispensável para modelos equipados com a tecnologia SCR (catalisador de redução seletiva), que se tornou item de fábrica na maioria dos modelos pesados desde 2012. O aditivo deve ser injetado no sistema de escapamento, para tratar gases dos motores a diesel e reduzir as emissões de óxidos de nitrogênio, que são danosos à saúde humana.

    A diferença entre o que deveria estar sendo consumido de Arla 32 e o que efetivamente está sendo comercializado pela indústria se deve ao fato de muitos proprietários de veículos comprarem produtos irregulares, que não cumprem as especificações do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), ou então fraudarem o sistema do veículo para não serem obrigados a utilizar o reagente.

    Um dos motivos desta burla é que não havia norma que permitisse aos órgãos de trânsito punir os infratores.

    A partir de 18 de maio de 2017, esta brecha legal começa a ser fechada. O Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN acaba de baixar a Resolução 666, que dispõe sobre a fiscalização do sistema de controle de emissão de poluentes de veículos diesel pesados, ou seja, com PBT acima de 3.856 kg, produzidos a partir de 2012.

    Passam a ser consideradas infrações previstas no art. 230, inciso IX do CTB (conduzir veículo com equipamento obrigatório ineficiente/inoperante), as seguintes situações verificadas no veículo:

    I – identificação de emissão de NOx superior a 3,5 g/kWh por mais de 48 horas de operação do motor através de leitor de OBD;

    II – falta de fusível ou fusível danificado do sistema SCR;

    III – catalisador danificado;

    IV – reservatório sem ARLA 32, ou com água ou outro líquido;

    V – reservatório com ARLA 32 adulterado ou irregular verificado com refratômetro ou reagente negro de Eriocromo T;

    VI – utilização de emulador ou chip que altera o funcionamento do sistema;

    VII – qualquer outro componente do sistema de controle de emissões danificado que impeça seu correto funcionamento.

    Deve constar no campo de observações do auto de infração a situação verificada que configurou a infração.

    Os agentes de fiscalização de trânsito poderão fiscalizar a concentração de ureia do ARLA 32 em uso nos reservatórios dos veículos, com utilização de equipamento metrológico.

    Os equipamentos utilizados para fiscalização deverão ter seu modelo aprovado pelo INMETRO na verificação metrológica inicial, eventual, em serviço e periódica, realizadas de acordo com a regulamentação metrológica vigente.

    O auto de infração, além das demais exigências contidas em normas específicas, deverá ser preenchido, no mínimo, com as seguintes informações:

    I – medição realizada: resultado obtido pelo equipamento de medição no momento da fiscalização;

    II – valor considerado: qualquer valor situado fora do intervalo de 30,0% a 35,0% de concentração de ureia no ARLA 32 medido através de refratômetro digital;

    III – nome, marca, modelo e número de série do equipamento utilizado na fiscalização.

    As equipes de fiscalização de trânsito poderão realizar coleta do líquido do reservatório de ARLA 32 para posterior análise pericial.

    A verificação do líquido em uso no reservatório de ARLA 32 do veículo poderá também ser realizada por meio de teste colorimétrico, utilizando o reagente denominado Negro de Eriocromo T, que identifica a utilização de água com impurezas na fabricação do ARLA 32, adição ou utilização de água que não seja desmineralizada, comprovando a adulteração ou irregularidade do ARLA 32 em uso no veículo. Quando a água fica azul, isto indica ausência de impurezas. Quando fica rosa, é sinal de que houve alteração do Arla-32.

    É proibida a alteração do reservatório original e do sistema de injeção de ARLA 32.

    Fonte: NTC&Logística

  • Programa “Avançar” vai investir R$ 59 bilhões

    Os jornais noticiam que o governo quer contrapor, à sua baixa popularidade e às reformas impopulares, um pacote de investimentos de R$ 59 bilhões a ser realizado integralmente até o final de 2018, quando termina sua gestão.

    Dos R$ 59 bilhões em recursos previstos, a maior parte deve ser investida no setor de transportes: R$ 22,7 bilhões, em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

    Há previsão de construção ou duplicação de 2.300 km de rodovias e de 1.219 km de ferrovias, dragagens em seis portos e investimentos em aeroportos.

    Outros R$ 15,7 bilhões serão aplicados em habitação, saneamento, defesa civil e mobilidade urbana, incluindo projetos de urbanização e 260 mil unidades do Minha Casa, Minha Vida.

    Na área de defesa, R$ 13,5 bilhões serão empregados na construção de submarinos, aeronaves militares e veículos blindados. E R$ 7,4 bilhões, aplicados na construção de unidades de saúde, creches, centros esportivos e demais setores.

    Batizado de “Avançar”, o programa vai se limitar a obras que podem ser concluídas até o fim de 2018 e substituir o Programa de Aceleração do Crescimento, que foi a marca dos governos anteriores.

    Os recursos do programa são exclusivamente públicos. Fontes palacianas ressaltam que uma das principais diferenças do Avançar é a transparência nas informações.

    Contrariamente ao programa adotado nas gestões dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rouseff, no “Avançar” não haverá a contabilização de desembolsos feitos por investidores privados em concessões de infraestrutura, aportes de estatais e créditos de bancos públicos. Segundo assessores do presidente, esse dinheiro inflava os balanços do PAC.

    Para implantar o programa, a Casa Civil vai tentar “eliminar gargalos” na legislação que se aplica a grandes obras. O ponto considerado crucial pelo governo é uma nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que prevê a padronização e a simplificação de procedimentos para a autorização dos projetos.

    Parte dos projetos que serão contemplados já foi anunciada neste governo ou no anterior. Alguns estão em andamento ou foram paralisados recentemente.

    O governo diz que são programas que têm orçamentos enxutos e podem vir a sofrer contingenciamento, o que prejudicaria a execução e entrega dos empreendimentos no cronograma.

    O Planejamento ainda elabora a versão final da carteira de obras do “Avançar”. Não há data marcada para o lançamento do pacote.

    Fonte: NTC&Logística

  • Escolha não depende só do frete (Parte 5)

    Outro mito usual é que os meios de transporte são perfeitamente substituíveis e, portanto, concorrentes. A verdade é que cada meio tem características específicas que o tornam mais apropriado do que outro em determinadas distâncias para certos tipos e volumes de mercadoria (nichos de mercado).

    Quando se analisa os custos e características de dois ou mais meios de transporte, como é o caso da rodovia e da ferrovia, constata-se que nem sempre eles são competidores entre si. Pelo contrário, há cargas típicas ou nichos de mercado específicos para cada um deles.

    Multimodalidade

    Quando combinados, os meios de transporte permitem ao usuário aproveitar melhor as virtudes de cada um deles. Por exemplo, aliar o baixo custo do trem ou do navio para longas distâncias à flexibilidade do caminhão para fazer as pontas, ou seja, levar carga da fábrica até uma estação ou um porto e da estação ou porto de destino até a loja.

    Este transporte combinado (também chamado de intermodal e batizado pela legislação brasileira de multimodal) exige terminais ágeis mecanizados de transbordo de um meio para o outro.

    Exige também a construção de terminais intermodais e a unitização das cargas em contêineres, manuseados por equipamentos apropriados (empilhadeiras, guindastes e pórticos) dotados de extensores (spreaders) que abrem e fecham, para facilitar o transbordo de um meio para outro. De acordo com a legislação, o contêiner não é embalagem, mas equipamento ou acessório do veículo transportador.

    Nos Estados Unidos, os contêineres com origem na Europa e destinados ao Oriente ou vice-versa são retirados do navio, transportados empilhados (double decker ou double stack) em plataforma especial, articulada e rebaixada, de uma costa para a outra e recarregados em outro navio (land bridge).

    Os navios utilizados para o transporte de contêineres são especiais (full-containers-ships).

    Quando transportados em rodovias, os contêineres devem utilizar carretas específicas dotadas de equipamentos de fixação (travas) padronizadas (normas ISO).

    Uma alternativa para evitar o uso do contêiner consiste em levar os caminhões em cima das plataformas ferroviárias (piggyback). Os inconvenientes deste sistema são o aumento do peso morto e a necessidade de retorno do caminhão vazio. Opcionalmente, pode-se levar apenas a carreta (TOFC – Trailer on Flat Car). Existe a possibilidade de se transportar os motoristas em vagões especiais (autotrem). Os sistemas piggyback mais antigos usam plataformas convencionais dotadas de dispositivos de fixação (hitch). Os mais modernos utilizam plataformas dotadas de rebaixos para encaixar os pneus ou, ainda, vagões totalmente rebaixados (Kangouru).

    Podem ser empregados também semirreboques rodoviários equipados com suspensão pneumática, capazes de receber truques ferroviários (dotados de freio embutido e dispositivo de travamento e rodar sobre trilhos ferroviários (carless, road traillers, road raillers, transtraillers ou rodotrilhos).

    Nos Estados Unidos, a NS-Norfolk Southern Railroad opera desde 1987 o Tripe Crown Service, de Detroit para St. Louis (900 km), que trafega a mais de 100 km/h para suprir operações just in time da GM e da Ford [David (1998)].

    Usado principalmente para navios, o sistema roll on/roll off permite que veículos ou carretas rodoviárias sejam deslocados sobre suas próprias rodas para dentro ou para fora do navio que os transporta. Os navios ro-ro são embarcações especializadas, dotadas de rampas laterais ou de popa, que se abrem no casco para permitir a entrada do material rodante.

    Fonte: NTC&Logística

    15/05/2017

Geraldo Vianna
Presidente da FuMTran – Fundação Memória do Transporte, ex-presidente e conselheiro vitalício da NTC – Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística
  • Tese comprovada

    26/02/2008

    Informação veiculada pela ATC – associação de transportadores de Mato Grosso, com sede em Rondonópolis – confirma tese que venho defendendo há muitos anos. Diz o seu diretor executivo, Miguel Mendes, que, no escoamento da safra atual (2007/2008), o frete rodoviário subiu 20% em relação aos níveis praticados na safra anterior. Diz, mais, que isso se deu em função de duas “novidades”: (1) a resolução do CONTRAN, do final de 2007, que eliminou dúvidas antigas a respeito de pesagem de veículos, deixando claro que a tolerância de 5% destina-se a prevenir eventuais imprecisões das balanças, razão pela qual os veículos não podem ser carregados com esse peso adicional, e (2) a liminar da Justiça do Trabalho – em boa hora cassada pelo TRT da 23ª região – que, durante algum tempo, obrigou o controle da jornada de trabalho dos motoristas.

    O mercado aquecido, de um lado, por conta de uma super safra e, de outro, a oferta de transporte sendo colocada em níveis mais realistas, pela eliminação das distorções provocadas pelos excessos de peso e de tempo ao volante, só poderiam resultar mesmo em elevação dos fretes praticados pelos autônomos e pelas empresas. Afastadas as distorções decorrentes da atabalhoada atuação do Ministério Público do Trabalho, o controle do tempo de direção virá, mais cedo ou mais tarde, por força de lei, e não como lei trabalhista, mas como lei de trânsito, para alcançar os transportadores autônomos que, afinal, devem ser os alvos principais daquele controle.

    De toda forma, enquanto coexistiram as duas situações acima referidas restou demonstrada a relação de causa e efeito entre esses fatores. Caminhão rodando com excesso de peso e motorista dirigindo mais tempo do que o razoável, além de todos os óbvios (e gravíssimos) inconvenientes para o pavimento das estradas e para a segurança do trânsito, provocando acidentes, mortes e prejuízos materiais de toda sorte, principalmente para os transportadores, ainda geram uma oferta artificial que avilta os fretes e alimenta o círculo vicioso das carências sem fim do transporte rodoviário. O transportador é penalizado duas vezes: quando gasta mais por causa dos acidentes e da má conservação das rodovias (que ele ajuda a degradar com o excesso de peso) e quando é sub-remunerado, com o aviltamento do frete provocado pela sobre-oferta que ele mesmo cria.

    Se as duas tímidas iniciativas apontadas pela ATC, sendo uma delas de curta duração, já provocaram o crescimento do frete, o que se poderá esperar da sua aplicação generalizada em todo o país e nos diversos segmentos de transporte, bem como do disciplinamento mais amplo da atividade, na esteira da Lei nº 11.442? Penso que os fretes rodoviários tendem a se acomodar num patamar bem mais elevado do que aqueles em que se moveram nos últimos anos. Esses 20% constatados em Mato Grosso podem ser só o começo de um vigoroso processo de realinhamento dos fretes rodoviários em nosso país, que a insuspeita COPPEAD já apontou como um dos mais baratos do mundo, graças a “milagres” inconfessáveis que precisam acabar.

    Admito que esta perspectiva possa preocupar os setores exportadores, que já têm graves dificuldades com o câmbio e com as assimetrias tributárias e de taxas de juros que os colocam em injusta desvantagem em relação a seus competidores internacionais. Até aqui, o frete rodoviário aviltado vinha “dando um refresco” e ajudando a tornar esse jogo um pouco menos desequilibrado. Mas esta alternativa está se esgotando, porque a sociedade brasileira finalmente começa a acordar para o seu elevado custo social, que se manifesta em números vergonhosos de acidentes e mortes no trânsito.

    É claro, por outro lado, que fretes rodoviários em patamares mais elevados vão acabar melhorando a competitividade da ferrovia e da hidrovia, sufocadas hoje pela agressividade sem limites do modal rodoviário. Mas isso é bom para o país, para os exportadores e para os próprios transportadores rodoviários que, atualmente, como regra, trabalham muito e ganham pouco. O ideal seria abrir mão de alguma carga e ter margens melhores, ficando apenas naqueles mercados tipicamente rodoviários, em que o caminhão é insubstituível e imbatível.

    Ninguém se iluda: é exatamente isso o que vai acabar acontecendo, na medida em que se organize minimamente o transporte rodoviário em nosso país.

  • Negócios em alta

    17/03/2008

    No momento em que a NT – Negócios em Transporte completa seus primeiros cinco anos de existência – que coincidiram em grande parte com o meu mandato de presidente da NTC&Logística –, sou levado a lançar um olhar retrospectivo sobre esse período em que os negócios em transporte evoluíram de modo extraordinário.

    No quinquênio 2003-2007, o PIB brasileiro teve um crescimento acumulado de 20,7% e o PIB per capita, de 12,4%. Poderíamos ter crescido muito mais, se tivéssemos aproveitado melhor o embalo de uma conjuntura internacional que era extremamente favorável, e que já mudou. Mas, perto da pasmaceira dos anos 80 e 90, foi um salto e tanto. Batemos inúmeros recordes: de safra agrícola, de exportações, de importações, de produção industrial, de venda de veículos, de investimentos estrangeiros, de geração de emprego, de arrecadação de impostos, de superávit primário etc. A inflação foi mantida sob controle. As nossas reservas já estão atingindo o incrível patamar de U$ 200 bilhões; a dívida externa praticamente desapareceu; internamente, a relação dívida/PIB vem caindo. Na prática, alcançamos a autossuficiência em petróleo, razão pela qual não estamos nem aí com o barril a mais de US$ 100. Somos a nona economia do mundo, pelo critério de paridade do poder de compra, a caminho de subir um ou dois degraus; e levamos vantagens importantes sobre os nossos competidores diretos (BRICs) na capacidade de atrair investimentos externos.

    É claro que, diante desse notável aquecimento da atividade industrial, do agronegócio e do comércio exterior, a demanda por transporte cresceu e trouxe consigo a recomposição das margens dos transportadores, por mais que estes tenham demorado a reconhecer isso, escaldados talvez pelos vinte anos de vacas magras. Aliás, se dúvida houver a este respeito, basta considerar a produção e a venda de veículos comerciais nos últimos anos. Só em 2007 o crescimento foi da ordem de 30%. Embora tenha havido algum progresso nas condições de financiamento, o que melhorou mesmo foi a expectativa do mercado. Ninguém compra caminhão só porque há financiamento favorável. O que determina a decisão de adquirir um veículo de carga é o aquecimento da demanda por transporte, o crescimento do frete e a percepção de que esta tendência vai se manter por algum tempo. Foi o que aconteceu até aqui, e deverá prosseguir durante, pelo menos, o primeiro semestre de 2008.

    Do ponto de observação privilegiado em que me encontrava, como presidente da NTC&Logística, já no final de 2003 pude perceber que havia algo novo no ar e, por isso, adotei uma postura mais positiva, otimista mesmo, que ficou registrada em textos, palestras e discursos meus daquela época. Os fatos que se seguiram confirmaram o acerto daquela visão.

    Mas é preciso moderar o otimismo neste momento. Há as ameaças vindas de fora (a atual crise norte-americana e a necessidade de a China moderar os seus níveis de crescimento são só dois exemplos do peso dessas variáveis externas), e há, sobretudo, a nossa lição de casa mal feita, em termos de infraestrutura. Essa conjunção de fatores, além do câmbio desfavorável às exportações, tende a frear um pouco o nosso crescimento daqui para frente.

    Transporte é atividade-meio. Não é possível ele ir bem se o país vai mal. Mas o fato de a economia ir de vento em popa não garante, por si só, que os problemas do transporte estejam resolvidos. Não estão, embora tenhamos conseguido também, nesses últimos anos, alguns progressos notáveis, em termos de legislação para o setor e de uma nova compreensão, por parte do governo, da importância estratégica dos investimentos em infraestrutura. O PAC não deixa de ser uma resposta, muito positiva, às nossas cobranças neste sentido, que torna completamente anacrônica a discussão que mantivemos até recentemente sobre a utilização dos recursos da CIDE-combustíveis. Espero que os grandes usuários tenham aprendido as lições dessa fase e passem a tratar o setor de transportes com mais atenção, como parceiro e não como inimigo, já que, cada vez mais, ele será fator crítico para a competitividade da nossa economia.

    Mas o que eu queria dizer, em suma, à equipe e aos leitores da NT – Negócios em Transporte é que esta revista nasceu em um tempo muito rico e o tem acompanhado com grande competência. Mais que isso, ela foi, e continua sendo, uma tribuna livre e muito importante para veicular idéias que aprofundam essas transformações, como pude testemunhar tantas vezes nesses cinco anos.

  • A batalha que não houve

    2008

    A pequena e pacata Itararé, cidade situada no sul do estado de São Paulo, divisa com o Paraná, ficou conhecida por quase ter sido palco, na Revolução de 30, de uma grande batalha, que foi anunciada durante muitos dias. Os revoltosos, sob o comando de Getúlio Vargas, subiam em direção à capital da República, para depor o presidente Washington Luís. Exatamente em Itararé, as tropas legalistas os esperavam, armadas até os dentes e bem entrincheiradas numa fortificação natural formada pelas margens do rio homônimo. Ninguém tinha dúvidas: o confronto seria sangrento. Mas, para alívio da população local, antes que isso acontecesse, o presidente da República foi deposto, por uma ação conjunta do Exército e da Marinha, o que desmobilizou as forças leais ao governo. No fim, tudo acabou em pizza. Um humorista da época, Aparício Torelly(1), não perdoou e cunhou a expressão “Batalha de Itararé” para referir-se à luta que não houve, expressão que, por analogia, passou a servir de referência para outros fatos que, embora fartamente anunciados, acabam não acontecendo.

    Faço esta digressão a propósito da, assim chamada, “paralisação nacional dos caminhoneiros” que, a rigor, não parou ninguém. Não sei o que foi pior: se a atitude de quem convocou um movimento isolado e inoportuno, dividindo a Frente que havia prometido apoiar; se o insucesso mesmo do movimento (já que fez, que ao menos fizesse bem feito); se os ingentes esforços dos dirigentes da ABCAM para “vender” os números fantasiosos de uma adesão que quem é do ramo sabe que não aconteceu, ou se a cobertura de uma parte da mídia que, preguiçosamente, “comprou” os números apresentados e os passou adiante, sem qualquer apuração mais cuidadosa. Tudo muito ruim.

    Os tais 35% de adesão inventados pela ABCAM são um completo absurdo. O normalíssimo movimento das estradas e das cidades nos dias 26 e 27 de julho (em alguns casos até superior a outros dias normais); as operações urbanas, de coleta e entrega, que não sofreram solução de continuidade; o abastecimento do comércio, o suprimento das indústrias e a distribuição dos produtos acabados, que não registraram qualquer alteração digna de nota; os portos, que também funcionaram normalmente, apesar de alguns piquetes, que foram rapidamente dissolvidos, tudo isso demonstra que, na verdade, a adesão da categoria ao “movimento” foi inferior a 5% no primeiro dia, e próximo de zero no segundo, o que fez com que a direção da ABCAM desistisse do terceiro dia, originalmente programado, e antecipasse melancolicamente o fim da paralisação.

    Se, antes, eu já tinha declarado a minha franca oposição à iniciativa da ABCAM – por todas as razões que deixei registradas em manifestações anteriores a respeito da importância de se preservar a unidade da “Frente Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas” e de não se prejudicar o diálogo que, finalmente, tínhamos conseguido estabelecer com o Governo Federal – agora, quando a pífia extensão do movimento ficou evidenciada, não sei se fico contente porque, afinal, a montanha pariu um rato, ou se lamento a indigência de uma ação, que eu já sabia inoportuna e inconveniente, mas que não imaginava tão anêmica.

    De positivo, resta, talvez, apenas, a constatação de que a categoria dos caminhoneiros, dos transportadores autônomos, dos micro e pequenos empresários de transporte já está suficientemente amadurecida e sofrida para não mais embarcar em aventuras ou para não se deixar manipular. Caminhão, em princípio, foi feito para rodar, não para parar. Perder dias de trabalho ou de faturamento, para protestar, para buscar melhores condições de trabalho, pode até ser necessário em situações extremas, que, por excepcionais, precisam ficar muito bem explicadas. Mas como justificar esse sacrifício, essa inversão da ordem natural das coisas, quando o motivo do protesto já foi reconhecido publicamente pelo Governo? Quando o Governo, notoriamente, já se mobiliza para solucionar os graves problemas que, como se sabe, não são de agora, mas vêm de longe? Como explicar essa precipitação? Será que, na verdade, esse movimento esquisito e fora de hora não tem alguma motivação inconfessável?

    Desconfio que os caminhoneiros do Brasil, em sua esmagadora maioria, fizeram essas perguntas e não encontraram respostas claras. Por isso, acharam melhor não aderir ao movimento convocado pela ABCAM. Se foi isso, trata-se de uma ótima notícia, porque sinaliza a possibilidade de um novo tempo para essa categoria enorme, tão importante e tão sofrida.

    (1) Por conta desse episódio, aliás, Aparício Torelly adotou o pseudônimo de “Barão de Itararé”, com o qual fez brilhante carreira no jornalismo carioca, embora fosse gaúcho de nascimento, chegando a ter, também, alguma expressão política. No pleito de 1947, candidato pelo Partido Comunista, foi um dos vereadores mais votados do Rio de Janeiro. Cassado no final daquele ano, junto com toda a bancada do Partidão (que foi colocado na ilegalidade), ele declarou que “deixava a vida pública para entrar na privada”. Outra evidência de que, mesmo nas piores situações ele conseguia preservar o senso de humor, foi a expressão “entre sem bater”, que ele cunhou (cansado de tanto apanhar da polícia política que, vira e mexe, invadia as redações dos jornais) e colocou numa tabuleta na porta de sua sala. Os desavisados imaginaram tratar-se de manifestação de cortesia, o que fez com que, à época, essa prática fosse incorporada aos usos e costumes dos escritórios e repartições públicas. Por essas e outras, Aparício Torelly é considerado precursor de toda uma dinastia de ilustres cronistas do cotidiano, como Millôr Fernandes, Stanislaw Ponte Preta, Luiz Fernando Veríssimo, entre tantos outros.

  • Conta Frete: como surgiu e por quê? O que esperar dela?

    2011

    A grande novidade que há no transporte rodoviário de cargas (TRC) neste final de 2011, com repercussões que deverão ser profundas e duradouras, é o início de funcionamento dos novos meios de pagamento aos caminhoneiros autônomos e às microempresas a eles equiparadas (empresas de transporte com até 3 veículos registrados em seu nome), cuja fiscalização, para valer, deverá ter início a partir de 25 de outubro próximo.

    Chamado de “conta frete” – em contraposição à “carta frete”, que foi posta na ilegalidade – o novo sistema tem potencial para provocar mudanças importantes nas práticas que vigoram há décadas neste mercado.

    Muita gente que se especializou em ganhar dinheiro explorando o transportador autônomo (TAC), burlando o fisco ou simplesmente usando a informalidade que sempre existiu no TRC para lavar dinheiro ou cometer outros delitos, vai começar a sentir o peso da lei e a ter sérias dificuldades para prosseguir nesse caminho.

    Por outro lado, os próprios caminhoneiros e as empresas sérias tendem a colher benefícios palpáveis. Aqueles, pelos ganhos de cidadania e pela possibilidade de comprovar renda, passando a ter acesso ao crédito que hoje lhes é negado. Estas, entre outros motivos, pela maior segurança jurídica, reforçando, na prática, a inexistência de vínculo de emprego quando da contratação de TACs, tal como previsto em lei, evitando assim ações e condenações milionárias.

    Além do mais, uns e outros desfrutarão de um mercado tanto quanto possível saneado, sob a égide de uma concorrência regrada e mais leal. Bom para todos; bom para o país.

    Por circunstâncias pessoais e profissionais, acompanhei o processo que culminou com a aprovação da Lei 12.249, de 11/6/10, cujo art. 128 acrescentou um art. 5º-A e seis parágrafos à Lei 11.442, de 5/1/07, que disciplina o setor. E acompanhei também as discussões no âmbito da Agência Nacional de Transportes Terrestres que resultaram na edição da Resolução ANTT nº 3.658, de 19/4/11 (publicada no Diário Oficial da União de 27 do mesmo mês), regulamentando aqueles comandos legais.

    Posso testemunhar nesse episódio, com absoluta isenção, o papel central desempenhado pelo Presidente LULA, que, como se sabe, sempre manifestou grande sensibilidade para com os problemas dos caminhoneiros autônomos – segundo se diz até por ele ter parentes próximos que exercem essa atividade e que o municiam de informações privilegiadas a respeito do que acontece no dia-a-dia desses profissionais, que enfrentam tantos riscos e obstáculos para simplesmente cumprir a sua sina de “andar por este país”, como na canção de LUIZ GONZAGA, “Vida de Viajante”. E não para “ver se um dia descansa feliz”, mas para garantir, todos os dias, a circulação da maior parte de tudo que aqui é produzido ou consumido. Vida de caminhoneiro, que não combina com descanso. Muito menos com descanso feliz…

    De tudo o que ele ouvia, o que mais impressionava o então Presidente era, compreensivelmente, a idade média (de mais de 20 anos) e o estado geral da frota dos autônomos. Por isso, ele achou que se deveria começar a enfrentar essa problemática pela via do crédito. E determinou ao BNDES a criação de uma linha de financiamento para renovação da frota, conhecida como “Procaminhoneiro”, com prazos, juros e demais condições “como nunca antes na história deste país”…

    Não obstante, o programa não avançava. As montadoras registravam recordes na venda de caminhões, mas não eram os autônomos que os adquiriam; e nem era através do “Procaminhoneiro” que as operações eram realizadas.

    Em pelo menos duas oportunidades, em eventos de que participei, vi e ouvi o Presidente LULA, muito irritado, cobrando explicações das lideranças dos autônomos, bem como de representantes das empresas de transporte, da indústria montadora e do mercado financeiro. Ele queria entender por que os caminhoneiros não estavam aproveitando uma oportunidade tão boa e única, que talvez não pudesse ser mantida por muito tempo e que dificilmente se repetiria.

    Surgiu então a explicação que provocou a ação fulminante do Governo: os autônomos não tinham acesso àquele programa simplesmente porque não tinham crédito, e não o tinham porque não conseguiam comprovar seus rendimentos, dada a extrema informalidade reinante nesse mercado. E uma das principais razões para esse estado de coisas eram os abusos propiciados pela obsoleta “carta frete”, instrumento que nasceu lá atrás, nas décadas de 50 e 60, quando o Brasil mal tinha telefone, que dirá sistemas bancários informatizados ou caixas eletrônicos.

    Naquelas circunstâncias, a “carta frete” resolvia um problema, tornando possível ao caminhoneiro autônomo, principalmente nas longas distâncias, ir recebendo adiantamentos do seu frete – normalmente nos postos de combustível –, de modo a fazer frente às despesas da viagem, inclusive abastecimento, eventuais consertos do veículo, alimentação e repouso do seu motorista.

    Mas aquela espécie de título de crédito que circulava sem qualquer espécie de controle, ao resolver o problema do pagamento ao autônomo, gerava outras graves consequências, que foram apontadas e esmiuçadas pelos eminentes juristas MODESTO CARVALHOSA e IVES GANDRA MARTINS, em brilhantes pareceres. Além do mais, era uma alternativa anacrônica, superada pelo tempo e pela farta tecnologia hoje disponível.

    Levado o assunto à consideração da Casa Civil da Presidência da República – à época dirigida por ninguém menos do que a atual Presidente DILMA ROUSSEFF –, os interesses em jogo foram ficando claros. De um lado, os autônomos sentiam-se explorados por um regime a que chamavam de semi-escravidão, já que, contra a sua vontade, eram transformados em consumidores cativos de determinados estabelecimentos, sendo obrigados a pagar mais pelos produtos que adquiriam, sem direito a escolha.

    De outro lado, dentro do próprio Governo, nas áreas da Receita Federal e dos Ministérios da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social, o setor de Transporte já era visto, há algum tempo, como problemático, seja pelo alto nível de sonegação ou de inadimplência fiscal, seja por práticas que aumentam exponencialmente o número de trabalhadores mortos e feridos em acidentes de trabalho que, na maior parte dos casos, são também acidentes de trânsito.

    Já as áreas técnicas do Governo, tais como ANTT e Ministério dos Transportes se ressentiam da falta de um fluxo constante e seguro de informações estratégicas sobre a atividade, indispensável para se planejar o desenvolvimento da logística nacional.

    Da conjugação desses interesses nasceu o projeto de lei que, “pegando carona” na tramitação de uma Medida Provisória, acabou sendo aprovado com grande rapidez, convertendo-se na Lei acima referida, por força do engajamento e do raro consenso entre as principais lideranças dos Transportadores Autônomos; do comprometimento do Palácio do Planalto, da coordenação da Casa Civil e da atuação da bancada do Governo, principalmente no Senado.

    Cerca de dez meses depois, a ANTT completou o serviço, editando a Resolução 3.658, após ter promovido duas audiências públicas e discutido à exaustão as alternativas possíveis para dar cumprimento às determinações contidas na Lei. Nessas oportunidades, as únicas vozes que se levantaram contra a iniciativa, como era de se esperar, foram as de representantes de alguns postos de abastecimento que operam no desconto de “carta frete”. No mais, registrou-se completa convergência quanto à oportunidade e conveniência da medida.

    Estou convencido de que esta iniciativa representa a mais vigorosa intervenção do Estado brasileiro nessa atividade que, como se sabe, nasceu e se desenvolveu em nosso país à margem de qualquer tipo de regulamentação. Isso não chega a me surpreender, diante do novo panorama mundial, do retumbante fracasso das soluções neoliberais, que levaram até mesmo as maiores economias e países plenamente desenvolvidos a enfrentar crises de proporções cada vez mais preocupantes. Revela-se a inconsistência da teoria do “Estado mínimo”; redescobre-se a utilidade do Estado, claro que não mais como empresário, mas como agente indutor, organizador, regulador e fiscalizador dos mercados. Ruim com ele, muito pior sem ele.

    No que diz respeito especificamente ao setor de transporte, menos ainda me surpreendo, eis que acompanho há muitos anos a carreira e o pensamento do atual diretor geral da ANTT, BERNARDO FIGUEIREDO. Ele sempre defendeu a regulamentação do TRC, como forma de induzir a um maior equilíbrio entre as modalidades, gerando uma matriz de transporte mais adequada, que atenda ao interesse público sem prejudicar os legítimos interesses privados envolvidos nessa equação.

    Aos que, agora, começam a ficar inquietos com a extensão do controle que o Governo passará a ter sobre o TRC a partir da integral implantação do novo sistema, posso dizer, em primeiro lugar, que isso representa apenas mais um passo – embora, como disse, muito forte –, na linha do disciplinamento do setor, que começou lá atrás, com a criação da ANTT, com a implantação do RNTRC, com o vale-pedágio e com uma série de outras pequenas medidas, todas avançando no mesmo sentido. Em segundo lugar, vale lembrar que a conta frete apenas antecipa, talvez em alguns poucos anos, um controle que inevitavelmente virá – e muito mais amplo – com a introdução do Conhecimento de Transporte Eletrônico, que já se encontra em fase de testes.

    Então, é melhor ter uma postura proativa em relação a essas mudanças. Nada será como antes. Quem quiser trabalhar direito terá de cumprir as novas regras. Quem preferir “apostar contra a banca”, achando que a lei “não pegará”, sugiro refletir sobre algumas circunstâncias especialíssimas, tais como, a mobilização de uma classe muito numerosa e importante, como é o caso dos Transportadores Autônomos, que normalmente é dispersa, mas que, quando consegue se organizar, já provou ser capaz de mover montanhas; o interesse manifesto de diversos órgãos do Governo, a começar da Presidência da República, mas também da Receita Federal , da Previdência Social (estes motivados pela perspectiva de uma arrecadação adicional da ordem de R$ 7 bilhões/ano só por conta do fim da informalidade representada pela carta frete), da ANTT, do Ministério dos Transportes, da Polícia Federal etc. Esse interesse pode ter diferentes motivações, mas todas elas estão relacionadas à necessidade evidente de modernização dos aspectos institucionais do transporte de cargas por rodovias em nosso país.

    Não se pode esquecer, ainda, a responsabilidade solidária dos embarcadores e dos demais contratantes dos TACs, em boa hora introduzida pelo legislador, no parágrafo 2º do art. 5º-A. É de se duvidar que organizações com grande visibilidade se disponham a correr o risco do desgaste e das pesadas multas previstas na regulamentação, sobretudo quando se imagina que estas possam vir a ser lavradas por simples cruzamento eletrônico de informações, sem necessidade da fiscalização convencional.

    Tudo isso aponta para algo sólido que dificilmente “se desmanchará no ar” como certamente alguns gostariam que acontecesse…

    Antes de concluir, é imprescindível esmiuçar pelo menos três das principais inovações contidas na regulamentação baixada pela ANTT.

    A primeira delas é a criação da figura da empresa ADMINISTRADORA dos meios de pagamento de frete, habilitada por aquela Agência, do ponto de vista de sua idoneidade econômica, financeira e técnica, e cujos sistemas devem ser igualmente aprovados, mediante certificações de qualidade, seja sob o aspecto de sua funcionalidade, seja de sua segurança.

    Quatro empresas – GPS/Pamcary, Roadcard, Repom e Dbtrans – já foram habilitadas e tiveram seus sistemas igualmente aprovados pela ANTT, após visitas técnicas daquela Agência, o que era previsível, uma vez que são organizações altamente especializadas, que já prestam serviços correlatos, quando não idênticos, aos que ora se tornam obrigatórios e que, portanto, conhecem há muitos anos, e de perto, esse mundo complexo e cheio de “curvas perigosas” do transporte rodoviário de cargas. O mínimo que se pode dizer delas é que são do ramo e que, com certeza, estão aptas a prestar os serviços exigidos pela nova legislação.

    Outras empresas postulam a sua habilitação. Não há limite para esses credenciamentos. As empresas habilitadas serão tantas quantas requererem a sua aprovação e comprovarem o cumprimento dos requisitos exigidos. O que se espera é que sejam todas sérias e competentes, e que tenhamos um mercado competitivo, com vários agentes capazes de atender à grande demanda coincidente que resultará dessa fase de implantação da nova sistemática, gerando tarifas módicas e compatíveis com os benefícios propiciados.

    Por definição regulamentar, as administradoras habilitadas – com um extenso rol de deveres e de responsabilidades, sujeitando-se, em caso de descumprimento, a pesadas penalidades e até à cassação da habilitação – não podem ter qualquer relacionamento, direto ou indireto, com as partes do contrato de transporte, assim como com embarcadores, transportadores, revendedores de combustível e outros insumos. Até mesmo os bancos têm restrições, como se depreende do inciso XIV do art. 28.

    Tudo isso visa garantir a neutralidade daquelas empresas diante dos interesses com os quais irão conviver, no seu papel de longa manus da ANTT, seja executando tarefas que a Agência não teria estrutura para realizar; seja fornecendo subsídios para o cumprimento de competências indelegáveis da Agência, como a fiscalização; seja mesmo contribuindo, com a sua experiência, para o aperfeiçoamento do sistema.

    Enfim, esse é um problema resolvido e, ao que tudo indica, bem resolvido. Foi uma solução criativa que eliminou os únicos óbices que poderiam ser arguidos para tentar invalidar a iniciativa em exame, quais sejam a estrutura insuficiente da ANTT para dar conta de um desafio tão grande e o tempo que seria necessário para que a estrutura ideal pudesse ser montada, tendo em vista as limitações de contratação de um órgão público (licitações, aprovação de aumento de quadro, concursos para provimento das vagas etc.).

    As empresas habilitadas, em seu conjunto, com certeza suprirão qualquer possível deficiência do órgão e ainda assegurarão ao processo o dinamismo natural da iniciativa privada, mesmo que no cumprimento de uma missão de caráter público.

    A segunda inovação que devo destacar é a obrigação, dentre tantas outras, de a Administradora fornecer uma espécie de extrato do “contrato de transporte”, vale dizer, um instrumento que possibilite caracterizar as obrigações das partes e, principalmente, o direito de o transportador autônomo, ou equiparado, receber, de forma inequívoca, a sua remuneração.

    A ideia generosa – e justíssima – que, neste particular, inspirou a norma regulamentar, foi a de que o caminhoneiro nunca mais se veja no meio de uma viagem, a centenas ou milhares de quilômetros de sua base, com uma “carta frete” na mão, sem dinheiro e sem ter sequer a possibilidade de comprovar de forma hábil o montante do seu crédito. Ele poderá até, eventualmente, ser vítima da inadimplência do seu contratante, mas sempre terá em mãos um verdadeiro título executivo que, no mínimo, facilitará o recebimento dos valores a que tiver direito.

    Da mesma forma, o contratante terá condições de caracterizar possíveis deslizes do TAC, em face do que foi convencionado entre eles, justificando, assim, a aplicação das sanções constantes do instrumento em questão.

    Por incrível que possa parecer, uma providência tão simples representará, certamente, um avanço extraordinário diante do histórico deplorável e da insegurança jurídica que sempre marcou a contratação de fretes no Brasil.

    O terceiro ponto que exige menção especial, pela sua importância e pelo caráter de absoluto ineditismo, é a criação do “Código Identificador da Operação de Transporte” (que já se tornou conhecido pela sigla CIOT), de caráter obrigatório em toda operação de transporte, salvo naquela expressamente excluída do alcance da Resolução, em seu art. 11, ou seja, no caso da pessoa física que contrata TAC ou equiparado para transporte de bens de sua propriedade, sem destinação comercial.

    Será através desse cadastramento da operação (que identificará as partes, o tipo da carga, origem e destino, valor do frete, valor do pedágio e do combustível, se for o caso, o veículo transportador, impostos e contribuições incidentes) que se dará o controle da Agência, da Receita Federal, da Previdência etc., tal como comentado anteriormente. Será o CIOT, também, que dificultará a vida de quem usa o transporte para lavar dinheiro ou para praticar outras fraudes, como o “passeio da carga” (ou, às vezes, só do documento) para gerar direito a benefícios fiscais e outras situações de que hoje, infelizmente, o setor é vítima.

    Até mesmo o roubo de cargas encontrará nessa providência um novo óbice. Claro que, por si só, ela não tem o condão de impedir a fraude ou a prática de delito, mas, com certeza, complicará mais um pouco as coisas para o bandido e aumentará a possibilidade de ele vir a ser descoberto e punido.

    Além de tudo isso, o CIOT acaba sendo imprescindível para a lógica do sistema, tal como ele foi concebido. Sem dúvida, é uma medida que pode gerar uma burocracia adicional nas já complicadas operações do TRC. Mas faz parte das obrigações das administradoras dar solução adequada a esse problema sem ônus adicional para os seus clientes. E até para os não clientes.

    Mas há situações, já identificadas – que foram objeto de ofício encaminhado pela presidência da NTC&Logística à direção da ANTT – em que o CIOT terá de receber um tratamento mais adequado, sob pena de inviabilizar as operações de determinados segmentos. As notícias que vêm da Agência indicam que, como era de se esperar, o bom senso deve prevalecer. Para cada uma daquelas situações está sendo estudada uma solução que, sem prejuízo do controle desejado e da segurança dos agentes envolvidos, não conspire contra o objetivo principal, que, sem dúvida, há de ser a eficiência do transporte.

    Tudo isso vem acontecendo num ritmo muito acelerado; reuniões técnicas e testes são realizados pela ANTT e pelas administradoras já habilitadas, sempre tendo em vista o prazo de “fiscalização educativa” que, como dito no início, termina em de 24 de outubro próximo (art. 34). Portanto, a partir do dia seguinte (25), o não cumprimento da nova sistemática poderá resultar na aplicação das sanções previstas na Resolução regulamentadora. Mas é claro que, para que isso aconteça, até aquela data, as questões técnicas deverão estar todas equacionadas e as dúvidas superadas. Esta é a expectativa.

    Por fim, devo tocar num ponto que, desde a divulgação do texto da Regulamentação da ANTT vem gerando mais calor do que luz. Trata-se da opção que se oferece ao contratante do TAC de efetuar o pagamento do frete mediante depósito em conta corrente do próprio autônomo cadastrado no RNTRC ou através do uso de meio eletrônico regulamentado. Isso está escrito com todas as letras na Resolução. Não há qualquer dúvida quanto a isso, assim como não tenho dúvida de que, a despeito da manifestação prematura de alguns de que optarão pelo depósito em conta corrente, muito cedo todos descobrirão que será muito mais fácil, mais vantajoso e mais seguro utilizar-se dos meios eletrônicos disponíveis.

    Por quê? Ora, pelos mesmos motivos que as pessoas hoje dificilmente usam telefone público, preferindo pagar até a tarifa mais cara do celular; ou usam cartão de débito ou crédito para pagar suas contas, ao invés de carregar dinheiro no bolso ou usar cheque; ou mandam mensagens por e-mail em vez de postar cartas no correio. Os avanços tecnológicos são avassaladores. Eles mudam paradigmas e impõem novos hábitos e comportamentos às pessoas e organizações.

    Por isso, a minha aposta é de que, dentro de dois ou três anos, se os sistemas funcionarem razoavelmente bem, mais de 80% de todo o movimento de pagamento de fretes no Brasil migrará para os meios eletrônicos. E até mesmo os que não estão obrigados a isso, acabarão optando por esses meios. Já há notícias de grandes embarcadores que cogitam passar a utilizá-los até mesmo para pagamento de pessoas jurídicas não equiparadas a TACs, abrindo-se, a partir daí, um mercado voluntário talvez tão importante quanto o que, neste momento, tornou-se compulsório.

    É claro que eu sempre posso estar enganado. Outro dia aprendi com o mestre TOSTÃO, em uma de suas ótimas crônicas esportivas, que “deduzir é diferente de adivinhar”. Quando digo que acho que uma coisa vai acontecer não estou tentando adivinhar nada, apenas estou procurando ler com as lentes de enxergar um pouco mais à frente, a partir de informações ditadas pela lógica e pelo senso comum. Enfim, quem viver verá…

    (Artigo publicado na Revista MUNDO LOGÍSTICA)

  • Volta à estaca zero

    2012

    As alíquotas da CIDE Combustíveis foram reduzidas a zero, o que significa, na prática, que este tributo sofreu uma espécie de vasectomia legal; foi tornado estéril; não está mais apto a gerar arrecadação.

    Sem maiores explicações, low profile, a novidade veio à luz por meio do Decreto nº 7.764, de 22 de junho último (publicado no Diário Oficial da União de 25/06/2012). A mídia não se interessou muito pelo assunto, limitando-se a dar curso, de modo acrítico, à versão do próprio Governo, segundo a qual a decisão foi tomada para evitar que o aumento de preço autorizado nas refinarias – sobretudo para a gasolina (7,83%) e para o diesel (3,94%) – chegasse aos postos e, por consequência, ao bolso dos consumidores que, não por acaso, são também eleitores, e estes, como se sabe, dentro de três meses, estarão indo às urnas escolher prefeitos e vereadores no Brasil inteiro.

    Garantiu-se assim à Petrobras um reforço de caixa para ajudar a bancar o seu ambicioso programa de investimentos para o período de 2012 a 2016, da ordem de R$ 236 bilhões, sem aumentar o preço dos combustíveis na bomba e, portanto, sem criar pressão inflacionária e, principalmente, sem irritar o eleitorado.

    Na verdade, foi mais um gesto de renúncia fiscal, a exemplo do que já tinha acontecido no caso das reduções temporárias de alíquota de IPI para automóveis, linha branca etc. Quem for contra levanta a mão! É difícil que alguém se atreva, até porque não há nada mais popular e simpático do que reduzir impostos, mesmo que de forma temporária, principalmente quando isso se reveste de caráter anticíclico, para tentar manter a nossa economia aquecida a despeito da crise que abala a zona do euro.

    Infelizmente, porém, não dá para deixar de apontar alguns problemas sérios nessa “mágica”. O primeiro deles é que mataram o coelho ao tirá-lo da cartola, de modo que não vai dar mais para repetir o número no futuro, caso haja necessidade. Queimaram o “colchão” da CIDE; primeiro, ele ficou mais magro, agora, desapareceu de vez.

    Além disso, numa penada, fomos surpreendidos com a perda da única fonte mais ou menos estável de recursos para financiar a infraestrutura de transportes, que deu tanto trabalho para criar e para fazer funcionar. A não ser que a intenção do Governo seja lançar mão, oportunamente (leia-se: depois das eleições), da faculdade prevista no art. 9º da Lei nº 10.336, de 2001, restabelecendo as alíquotas e, só então, aumentando o preço dos combustíveis aos consumidores finais. A ver e a julgar, se e quando for o caso.

    De toda forma, é estranho que o assunto não tenha sido objeto de prévia discussão com os demais entes federados – que são sócios minoritários na arrecadação da CIDE – nem com os usuários das rodovias, que devem ser os maiores prejudicados pela medida.

    De fato, por força da Emenda Constitucional nº 44, os estados, o Distrito Federal e os municípios vêm recebendo, desde 2004, 29% do produto da arrecadação, segundo um complicado sistema de divisão e repasse, baseado, no caso dos estados, na extensão da malha rodoviária pavimentada e no consumo de combustíveis em cada um deles. Para os municípios, considera-se a posição no “Fundo de Participação dos Municípios”. Em ambos os casos, leva-se em conta também o número de habitantes.

    No conjunto, quase R$ 2 bilhões/ano, em parcelas trimestrais (nos meses de janeiro, abril, julho e outubro), irrigam os cofres estaduais e municipais, e só podem ser utilizados para investimentos nas respectivas infraestruturas de transportes. Já a União fica com bem mais do que o dobro disso, o que representa uma ajuda importante para tocar as obras do PAC, apesar dos contingenciamentos e desvinculações que atingem uma parcela importante da arrecadação.

    Coincidência ou não, nos últimos anos – exatamente quando a CIDE começou a funcionar segundo a sistemática acima descrita –, as Pesquisas Rodoviárias da CNT passaram a registrar uma significativa melhora nas condições das nossas estradas, federais e estaduais. Comparando os resultados de 2011 com os de 2003, verifica-se que os percentuais somados de ótimo e bom subiram de 26% para 42,6%, e os de ruim e péssimo caíram de 35,6% para 26,9%. Na pesquisa de 2011, foram avaliados 92,7 mil quilômetros de rodovias, que compreendem a totalidade da malha federal, os trechos mais importantes das malhas estaduais e 100% das rodovias concedidas, federais e estaduais.

    Isso permite concluir que, apesar dos “malfeitos”, para usar a expressão consagrada pela presidente Dilma, uma parte não desprezível dos recursos da CIDE estava chegando ao seu destino e produzindo uma recuperação paulatina e consistente da infraestrutura, em quase todo o país, embora ainda muito longe do ideal.

    Pois, agora, ao que tudo indica, sem essa arrecadação, corremos o risco de viver um grande retrocesso neste campo, jogando fora o que foi conquistado nos últimos anos.

    Exceto pela lógica político-eleitoral, de curtíssimo prazo, será que vale a pena poupar o consumidor de derivados de petróleo para, indiretamente e de forma pouco transparente, viabilizar os investimentos da Petrobras com o sacrifício da manutenção e expansão da infraestrutura de transportes?

    Será que o transportador ficará contente ao saber que, para o óleo diesel não ser aumentado em menos de 4%, ele correrá o risco de ver novamente deterioradas as rodovias sob gestão pública?

    O que é mais administrável: o preço do combustível ou os custos invisíveis e insidiosos decorrentes da precariedade da infraestrutura?

    Todos conhecemos as respostas a essas perguntas. Só não podemos conhecer as verdadeiras intenções do Governo ao decidir zerar a alíquota da CIDE sem esclarecer como pretende equacionar, daqui para frente, a questão do financiamento da infraestrutura de transportes e como ficarão os estados e municípios, muitos deles com projetos em andamento que dependiam daqueles recursos.

    Em passado não tão distante, tivemos que fazer uma grande mobilização para garantir que a arrecadação da CIDE fosse aplicada nas finalidades previstas na Constituição. Agora, talvez tenhamos de reabrir aquela discussão, desta vez para garantir a existência dos recursos a serem aplicados.

    Voltamos à estaca zero – sempre ele, o zero. Zero é a nova alíquota da CIDE, como zero é, afinal, a nota que o Governo merecerá neste episódio, caso não reveja a sua decisão antes que os estragos se tornem irreversíveis.

  • Volta à estaca zero

    2012

    As alíquotas da CIDE Combustíveis foram reduzidas a zero, o que significa, na prática, que este tributo sofreu uma espécie de vasectomia legal; foi tornado estéril; não está mais apto a gerar arrecadação.

    Sem maiores explicações, low profile, a novidade veio à luz por meio do Decreto nº 7.764, de 22 de junho último (publicado no Diário Oficial da União de 25/06/2012). A mídia não se interessou muito pelo assunto, limitando-se a dar curso, de modo acrítico, à versão do próprio Governo, segundo a qual a decisão foi tomada para evitar que o aumento de preço autorizado nas refinarias – sobretudo para a gasolina (7,83%) e para o diesel (3,94%) – chegasse aos postos e, por consequência, ao bolso dos consumidores que, não por acaso, são também eleitores, e estes, como se sabe, dentro de três meses, estarão indo às urnas escolher prefeitos e vereadores no Brasil inteiro.

    Garantiu-se assim à Petrobras um reforço de caixa para ajudar a bancar o seu ambicioso programa de investimentos para o período de 2012 a 2016, da ordem de R$ 236 bilhões, sem aumentar o preço dos combustíveis na bomba e, portanto, sem criar pressão inflacionária e, principalmente, sem irritar o eleitorado.

    Na verdade, foi mais um gesto de renúncia fiscal, a exemplo do que já tinha acontecido no caso das reduções temporárias de alíquota de IPI para automóveis, linha branca etc. Quem for contra levanta a mão! É difícil que alguém se atreva, até porque não há nada mais popular e simpático do que reduzir impostos, mesmo que de forma temporária, principalmente quando isso se reveste de caráter anticíclico, para tentar manter a nossa economia aquecida a despeito da crise que abala a zona do euro.

    Infelizmente, porém, não dá para deixar de apontar alguns problemas sérios nessa “mágica”. O primeiro deles é que mataram o coelho ao tirá-lo da cartola, de modo que não vai dar mais para repetir o número no futuro, caso haja necessidade. Queimaram o “colchão” da CIDE; primeiro, ele ficou mais magro, agora, desapareceu de vez.

    Além disso, numa penada, fomos surpreendidos com a perda da única fonte mais ou menos estável de recursos para financiar a infraestrutura de transportes, que deu tanto trabalho para criar e para fazer funcionar. A não ser que a intenção do Governo seja lançar mão, oportunamente (leia-se: depois das eleições), da faculdade prevista no art. 9º da Lei nº 10.336, de 2001, restabelecendo as alíquotas e, só então, aumentando o preço dos combustíveis aos consumidores finais. A ver e a julgar, se e quando for o caso.

    De toda forma, é estranho que o assunto não tenha sido objeto de prévia discussão com os demais entes federados – que são sócios minoritários na arrecadação da CIDE – nem com os usuários das rodovias, que devem ser os maiores prejudicados pela medida.

    De fato, por força da Emenda Constitucional nº 44, os estados, o Distrito Federal e os municípios vêm recebendo, desde 2004, 29% do produto da arrecadação, segundo um complicado sistema de divisão e repasse, baseado, no caso dos estados, na extensão da malha rodoviária pavimentada e no consumo de combustíveis em cada um deles. Para os municípios, considera-se a posição no “Fundo de Participação dos Municípios”. Em ambos os casos, leva-se em conta também o número de habitantes.

    No conjunto, quase R$ 2 bilhões/ano, em parcelas trimestrais (nos meses de janeiro, abril, julho e outubro), irrigam os cofres estaduais e municipais, e só podem ser utilizados para investimentos nas respectivas infraestruturas de transportes. Já a União fica com bem mais do que o dobro disso, o que representa uma ajuda importante para tocar as obras do PAC, apesar dos contingenciamentos e desvinculações que atingem uma parcela importante da arrecadação.

    Coincidência ou não, nos últimos anos – exatamente quando a CIDE começou a funcionar segundo a sistemática acima descrita –, as Pesquisas Rodoviárias da CNT passaram a registrar uma significativa melhora nas condições das nossas estradas, federais e estaduais. Comparando os resultados de 2011 com os de 2003, verifica-se que os percentuais somados de ótimo e bom subiram de 26% para 42,6%, e os de ruim e péssimo caíram de 35,6% para 26,9%. Na pesquisa de 2011, foram avaliados 92,7 mil quilômetros de rodovias, que compreendem a totalidade da malha federal, os trechos mais importantes das malhas estaduais e 100% das rodovias concedidas, federais e estaduais.

    Isso permite concluir que, apesar dos “malfeitos”, para usar a expressão consagrada pela presidente Dilma, uma parte não desprezível dos recursos da CIDE estava chegando ao seu destino e produzindo uma recuperação paulatina e consistente da infraestrutura, em quase todo o país, embora ainda muito longe do ideal.

    Pois, agora, ao que tudo indica, sem essa arrecadação, corremos o risco de viver um grande retrocesso neste campo, jogando fora o que foi conquistado nos últimos anos.

    Exceto pela lógica político-eleitoral, de curtíssimo prazo, será que vale a pena poupar o consumidor de derivados de petróleo para, indiretamente e de forma pouco transparente, viabilizar os investimentos da Petrobras com o sacrifício da manutenção e expansão da infraestrutura de transportes?

    Será que o transportador ficará contente ao saber que, para o óleo diesel não ser aumentado em menos de 4%, ele correrá o risco de ver novamente deterioradas as rodovias sob gestão pública?

    O que é mais administrável: o preço do combustível ou os custos invisíveis e insidiosos decorrentes da precariedade da infraestrutura?

    Todos conhecemos as respostas a essas perguntas. Só não podemos conhecer as verdadeiras intenções do Governo ao decidir zerar a alíquota da CIDE sem esclarecer como pretende equacionar, daqui para frente, a questão do financiamento da infraestrutura de transportes e como ficarão os estados e municípios, muitos deles com projetos em andamento que dependiam daqueles recursos.

    Em passado não tão distante, tivemos que fazer uma grande mobilização para garantir que a arrecadação da CIDE fosse aplicada nas finalidades previstas na Constituição. Agora, talvez tenhamos de reabrir aquela discussão, desta vez para garantir a existência dos recursos a serem aplicados.

    Voltamos à estaca zero – sempre ele, o zero. Zero é a nova alíquota da CIDE, como zero é, afinal, a nota que o Governo merecerá neste episódio, caso não reveja a sua decisão antes que os estragos se tornem irreversíveis.

  • Entendendo a “bolha rodoviária”

    25/05/2015

    Numa palestra que fiz há poucos dias no 15º Seminário da NTC (Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística), na Câmara dos Deputados, em Brasília, usei pela primeira vez a expressão “bolha rodoviária” e revelei números impactantes. Mas eles eram muitos, o que talvez tenha tirado o foco do essencial. Vou tentar abstrair informações supérfluas, indo direto ao ponto: o TRC (Transporte Rodoviário de Cargas) vive uma extraordinária sobreoferta de transporte, a que chamei daquela maneira numa óbvia referência à “bolha imobiliária” norte-americana que estourou em 2008. Embora haja muitas diferenças entre os dois episódios, a verdade é que aqui, como lá, tudo começou com crédito abundante e barato. E também pode resultar numa enorme inadimplência. Note-se que estou falando de valores multibilionários, como veremos a seguir.

    De fato, foi fortíssimo o crescimento da frota brasileira de caminhões na primeira metade desta década (de 2010 a 2014), em que foram licenciados, em média, 152 mil caminhões/ano, um aumento de 81% em relação à média da década anterior (2000 a 2009), que foi de 84 mil/ano – que já representara um salto de 53% sobre a média histórica de 55 mil caminhões/ano, verificada nas últimas três décadas do século passado. Estou falando de caminhões vendidos no mercado interno e licenciados, ano a ano. Os números foram extraídos do “Anuário da Indústria Automobilística Brasileira”, edição de 2015, da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). As conclusões são minhas.

    Para onde foram todos esses caminhões? O “Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas” da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) responde: 82% foram adquiridos por Empresas de Transporte (ETCs) e pelos Transportadores Autônomos (TACs). Pelo menos, nos últimos três anos (no período entre meados de maio de 2012 e final de abril de 2015), em que posso fazer comparações seguras porque tenho as respectivas telas preservadas, o RNTRC mostra que aqueles operadores registraram 328 mil novas unidades (sendo 170 mil de TACs e 158 mil de ETCs) para um total de cerca de 400 mil caminhões licenciados no período. É de se supor que os restantes 72 mil tenham sido adquiridos por transportadores de carga própria, que não estão obrigados àquele Registro, e por alguns “franco-atiradores”. Para efeito desta análise, para simplificar, atribuí aos TACs os veículos das Cooperativas, já que estas, por força de lei, são formadas por Transportadores Autônomos. Além disso, os números referentes às Cooperativas são muito pouco significativos no cômputo geral.

    Detalhando um pouco mais, ainda com base nas informações da ANTT, constata-se que, dos 328 mil caminhões incorporados à frota de ETCs e TACs nos últimos 3 anos, 116,2 mil são cavalos mecânicos, 154,8 mil são caminhões simples e 57,8 são caminhões leves. Esses veículos têm uma grande variedade de marcas e modelos, com diferentes níveis de preço. Examinando o mix comercializado, atribuí, apenas para efeito de estimativa, os preços médios de R$ 300 mil, R$ 150 mil e R$ 70 mil, respectivamente, para cada uma daquelas categorias. O resultado é impressionante: somente na aquisição de caminhões, os operadores do TRC (Empresas e Autônomos) investiram R$ 62 bilhões em 3 anos, ou R$ 20,6 bilhões/ano.

    Mas não foi só isso. Eles compraram também – e registraram no RNTRC – 65 mil novos veículos comerciais leves (caminhonetes, utilitários e veículos de apoio) e 165,7 mil novos semirreboques e outros veículos tracionados (a preços médios de R$ 50 mil e R$ 75 mil, respectivamente), o que representa mais R$ 15,6 bilhões de investimentos em três anos ou R$ 5,2 bilhões/ano. Também aqui fiz alterações na terminologia utilizada pela ANTT e agrupei de forma diversa algumas categorias de veículos, de modo a aproximá-las do jargão do mercado e a possibilitar a comparação dos dados do RNTRC com as informações da ANFAVEA.

    Chegamos, portanto, a um investimento total de incríveis R$ 25,8 bilhões/ano, apenas nos últimos três anos, ou US$ 10,3 bilhões/ano numa relação, seguramente superestimada, de R$ 2,50/dólar, em média, no período em exame. Se houver qualquer imprecisão nesses números – o que é possível, dada a adoção de preços médios –, a eliminação dela, através de cálculos mais refinados (que considerassem, por exemplo, o preço de cada marca/modelo comercializado, em cada momento, ao câmbio da época), certamente conduzirá ao aumento daqueles números, não à sua redução.

    Há quem reaja com incredulidade diante desses dados. Estou convencido de que eles estão certos, pelo menos aproximadamente certos. E a verdade é que não estou preocupado com exatidão, mas com ordem de grandeza. E quanto a esta, se erro houver, será, com certeza, por ter sido subestimada, e não o contrário. Mesmo porque, além de tudo, como se sabe, ao longo desse período, o setor não investiu apenas em veículos de carga. Muitas empresas construíram ou reformaram terminais; adquiriram sorters e outros equipamentos de movimentação de cargas, além de carrocerias e baús; investiram pesadamente em TI, comunicação, rastreamento de cargas, monitoramento de veículos etc. Esses outros dispêndios, embora de quantificação quase impossível, acrescentam, com certeza, valores muito expressivos àquela conta.

    O TRC é, de fato, um verdadeiro “paradoxo ambulante”. Como é possível que este setor cheio de problemas e carências, constituído por mais de 1 milhão de TACs e ETCs, dos quais cerca de 98% são micro e pequenos empreendedores, tenha conseguido investir, por exemplo, quase o triplo (278%) do que investe a própria Indústria Automobilística (US$ 3,7 bilhões/ano, segundo a ANFAVEA, no já citado Anuário) e quase o quádruplo (377%) do investimento feito, no mesmo período, pelo conjunto das Concessionárias de Rodovias em todo o Brasil (US$ 2,73 bilhões/ano, segundo a ABCR, em seu site)?

    Bem, em primeiro lugar, essas evidências nos obrigam a pensar em como é realmente grande e tão pouco compreendido este setor, que é, de fato, um dos maiores e mais importantes da economia brasileira, sem mencionar o seu caráter estratégico, que se torna evidente nos momentos críticos, quando ocorrem movimentos de paralisação de suas atividades, ainda que parciais e localizados. Por força da informalidade ainda reinante, não se consegue precisar a sua receita e, portanto, a sua exata participação no PIB brasileiro. Saberemos isso em breve, quando tiverem sido definitivamente implantados, em caráter compulsório, o conhecimento e o manifesto eletrônico de cargas. Sempre sustentei, contudo, que esta receita não pode ser inferior a R$ 300 bilhões/ano (com base no consumo aparente de diesel e na remuneração da extensa mão de obra do setor, supondo que esses itens de custo representem, na média, cerca de 60% do custo total), o que nos levaria a mais de 5% do PIB de 2014 (R$ 5,521 trilhões, segundo o IBGE). Mas deixo a demonstração desta tese para outro artigo, para não alongar em demasia este.

    Além do gigantismo do setor, não se pode esquecer que praticamente todo aquele investimento, com poucas exceções, foi financiado com recursos principalmente do BNDES, em programas específicos como PSI e Procaminhoneiro, com condições inusitadas, em termos de juros, carências, garantias, prazos de pagamento. Tanto que até quem não precisava de caminhão foi às compras. Consta que médicos, dentistas, advogados e outros profissionais andaram “investindo” em caminhões, porque ouviram falar que era bom negócio.

    Diga-se, a bem da verdade, que essas linhas de crédito foram fruto de reivindicações da categoria, mas sempre associadas a uma política de renovação da frota, por razões econômicas, ambientais e de segurança, que implicava necessariamente na venda de caminhões novos em larga escala, de um lado, e na reciclagem dos veículos mais antigos da frota, com mais de 25 anos, de outro. Isso nunca aconteceu. O Governo acabou promovendo apenas uma fortíssima expansão da frota de caminhões, em benefício da Indústria Automobilística e de seus trabalhadores, sem se preocupar com as repercussões disso no mercado de transporte.

    Havia, é claro, a ideia dominante de que o Brasil estava fadado a ter um “crescimento chinês”, que estava a caminho de ser a 4ª ou 5ª maior economia do mundo e que, portanto, esse crescimento da frota seria facilmente absorvido pelo aumento da demanda. Aconteceu o contrário: quando a frota mais cresceu foi exatamente quando o PIB começou a murchar, crescendo apenas 4,7% no último triênio e apresentando crescimento certamente negativo no corrente ano de 2015. É aí que nasce a temida “bolha”. Para guardar proporção com o pequeno crescimento havido nos últimos anos, os 152 mil novos caminhões/ano do período 2010/2014 – um salto de 81% em relação à década anterior, como já dito – deveriam ter variado em outro patamar; nos meus cálculos, entre 90 e 100 mil unidades/ano. Portanto o excesso de frota em relação à demanda deve ser algo entre 250 e 300 mil caminhões – uma enormidade, correspondente a cerca de dois anos de produção da Indústria montadora; algo capaz de desestabilizar por completo o mercado de fretes, como vem acontecendo e, em termos de risco de inadimplência, um “papagaio” que começa a ser empinado do tamanho de R$ 40 bilhões, pelo menos.

    “Do couro sai a correia”. Se a demanda continuar tão baixa e os fretes continuarem no nível em que estão, não haverá margens ou sobras de caixa para pagar as prestações dos financiamentos. E a perspectiva de normalização fica ainda mais distante, na medida em que o ajuste fiscal continue sendo conduzido de forma tão pouco seletiva. De um lado, há ainda a ameaça de a desoneração da folha de pagamento das empresas do setor virar pó, com uma elevação de 150% de um item relevante dos custos do setor. De outro, as incertezas na política de preços dos derivados de petróleo, do diesel em particular, que também impactam cruelmente os custos. E, agora, a notícia de que está sob ameaça a manutenção dos mais de 50 mil quilômetros de rodovias sob jurisdição do DNIT, por falta de recursos e por problemas com as empreiteiras nas licitações para renovação dos contratos. Seria o caos anunciado; um enorme retrocesso.

    É preciso deixar claro que os 12 meses de carência que o Governo concedeu aos Caminhoneiros no auge da recente paralisação da categoria – e que o Congresso estendeu às Empresas de transporte, mesmo grandes – não vai resolver o problema. Não vejo a menor possibilidade de, daqui a um ano, a economia ter voltado a crescer e os fretes terem se normalizado. Ora, não permitir que se caracterize uma inadimplência deste tamanho é algo que interessa aos operadores do setor, mas interessa muito mais ao próprio Governo, ao BNDES e, mais ainda, aos bancos, repassadores e avalistas desses empréstimos, que, à falta de uma providência de alongamento das dívidas, em condições que garantam a sua solvabilidade, não terão outra alternativa senão passar a reconhecer esses “créditos duvidosos” em seus balanços, com um estrago considerável nos resultados.

    Por outro lado, as montadoras de caminhões e toda a cadeia automotiva convivem com a incômoda perspectiva de uma redução drástica de produção, em percentuais talvez sem precedentes na sua história em nosso país. As vendas estão 40% abaixo do ano passado, que já foi bem menor que o anterior, e podem cair mais ainda até o final de 2015. Em compensação, acho que, neste quadro, viabiliza-se, finalmente, o tão aguardado programa de renovação de frota e de reciclagem dos veículos com mais de 25 anos. Esta iniciativa, que o setor de transportes já cobra desde 2003, poderá tirar de circulação até 120 mil caminhões obsoletos – com economia de combustível, ganhos ambientais, redução de acidentes de trânsito e de incidentes que congestionam diariamente o trânsito das grandes cidades. E, de quebra, como uma medida anticíclica, poderá amenizar um pouco o quadro difícil vivido pelas montadoras e por toda a indústria de autopeças. Mas isso somente ocorrerá num prazo de 2 a 3 anos, a partir do momento em que estiver definida a política, com todo o seu arcabouço legal, e estiverem instalados centros de reciclagem em pontos estratégicos do país. É preciso correr.

    Nada disso, porém, terá tanto efeito transformador sobre a atual realidade do TRC, e do Brasil como um todo, quanto a volta do crescimento do nosso PIB a taxas de 4 a 5% ao ano. Este deve ser o grande objetivo. A austeridade fiscal é, sem dúvida, uma das condições para esta retomada. Mas não é a única. Como já aprendemos em outros momentos da nossa história, cortar despesas e conter a inflação – que é algo que todos queremos – não se faz simplesmente contingenciando verbas ou adiando pagamentos, nem aumentando juros indefinidamente para combater uma inflação que é causada principalmente pelo realinhamento dos preços administrados. Isso desorganiza e intoxica toda a economia. O ganho ilusório que se obtém com o corte de despesas se esvai com o crescimento da dívida pública. O estrago é muito maior que o benefício obtido.

    Aliás, o resultado trágico de uma política de financiamento, em princípio desejável, mas adotada sem os cuidados devidos, que construiu a “bolha” aqui demonstrada, lembra, mais uma vez, que, na economia, como na medicina, remédio aplicado na dose errada vira veneno. E mata, ao invés de curar.

  • O significado do novo RNTRC

    16/06/2015

    Inicia-se uma nova fase na ainda curta existência da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Como se sabe, ela estava, até há pouco tempo, praticamente acéfala – tocada heroicamente apenas por um Diretor Geral, Jorge Bastos, regularmente nomeado, com o auxílio de quatro diretores interinos e, portanto, sem a independência e a estabilidade funcional que deve ter o dirigente de um órgão regulador.

    Mas, finalmente, a Presidência da República encaminhou ao Senado, para serem aprovadas, as indicações dos quatro novos diretores, que terão mandatos definidos e que já começam a ser sabatinados naquela casa legislativa. Dentre eles, posso garantir que pelo menos dois, que conheço bem, fogem por completo do figurino das nomeações que temos visto para cargos do gênero. São jovens funcionários de carreira da própria ANTT, concursados, com sólida formação acadêmica e disposição para ascender na carreira funcional que abraçaram. E estão conseguindo. São eles Marcelo Vinaud Prado e Carlos Fernando Nascimento. Merecem o nosso aplauso e todo o nosso apoio. Quanto aos outros dois diretores que também devem ser nomeados, nos próximos dias, não os conheço ainda, mas já tive boas referências deles. Aos quatro desejo muito boa sorte.

    É com esse pano de fundo que vem aí o recadastramento no “Registro Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas”, de caráter obrigatório para todas as Empresas de Transporte (ETC), Transportadores Autônomos (TACs) e Cooperativas de Transporte (CTCs), e seus respectivos veículos, que serão cadastrados pelo final de placa, ao longo dos próximos meses. Uma Resolução e outros atos normativos deverão ser divulgados em breve, depois de o tema ter sido submetido a consulta e audiência públicas, na forma da lei.

    No meu ponto de vista, o que há de mais importante nesta nova fase do RNTRC – além da exclusão dos transportadores de carga própria – é a exigência de que todos os veículos automotores de carga sejam “tagueados”, isto é, que sejam identificados por tags, tais como os que conhecemos do Sem Parar e congêneres, e que funcionam perfeitamente bem, com pouquíssimas falhas. Os tags serão lidos pelas mesmas antenas que já existem hoje nas praças de pedágios, em balanças, portos e em projetos-pilotos em andamento no Rio Grande do Sul, envolvendo principalmente a introdução definitiva do conhecimento de transporte eletrônico e do manifesto eletrônico de cargas.

    Diga-se, aliás, por oportuno, que os semirreboques e outros implementos não receberão tags (pela impossibilidade de leitura pelas antenas já disponíveis), mas apenas etiquetas autocolantes que incorporam também tecnologia totalmente desenvolvida e testada, que permite a identificação por “QRcode”, a partir do uso de smartphones ou tablets convencionais.

    Num prazo relativamente curto, todas as principais rotas, polos geradores e destinatários de cargas no Brasil estarão cobertas por uma rede de antenas que se prestarão às mais diversas finalidades, sendo a principal delas fiscalizar e fazer valer as inúmeras leis aprovadas nos últimos anos em nosso país para enfrentar alguns dos principais aspectos desta atividade econômica (disciplinamento, vale-pedágio, pagamento eletrônico de fretes, jornada de trabalho e tempo de direção de motoristas etc.), que, não obstante, continuam a ser solenemente ignoradas pelo mercado, sob o olhar impotente do órgão que tem a responsabilidade de regulá-lo, vale dizer, da própria ANTT.

    Além disso, permitirá ao Governo, pela primeira vez, ter um amplo conhecimento dos fluxos de transporte e de tudo o mais que diga respeito ao TRC, de modo a aprimorar o planejamento e as políticas de transporte, e a combater a informalidade do setor. Não é por acaso que esta iniciativa da ANTT despertou a atenção da Receita Federal, do CONFAZ, da Polícia Federal, da Política Rodoviária Federal, do Denatran, do Ministério Público do Trabalho e de vários outros órgãos.

    Diga-se, também, que as empresas de transporte que participam do projeto-piloto gaúcho e de outras iniciativas já em andamento nos portos, sempre com utilização dessas soluções tecnológicas, têm reportado a obtenção de grande ganho de produtividade pela maior agilidade na recepção e liberação dos veículos nas balanças, postos fiscais e instalações portuárias.

    Uma ANTT revigorada, como vimos no início, e um projeto tão arrojado e inovador como este têm todas as condições de realizar uma transformação radical e extremamente positiva no panorama do setor. Mas vamos ficar de olho, porque sempre há os que apostam na manutenção do “status quo”, por variados motivos, nem sempre confessáveis.

  • O tamanho do gigante

    23/06/2015

    Em artigo recente sobre a “bolha rodoviária”, toquei de passagem na questão do verdadeiro tamanho do setor de transporte rodoviário de cargas (TRC), esta atividade econômica tão pouco conhecida não só pelo grande público, pela mídia e pela classe política, mas até mesmo pela maioria dos seus operadores. E prometi que voltaria ao assunto, para aprofundar o exame do tema, o que faço nesta oportunidade.

    Para além de ser uma atividade estratégica, a verdade é que o TRC é um dos mais importantes setores da economia brasileira, seja sob o ponto de vista da geração de postos de trabalho, seja em termos de participação no PIB. A forte informalidade ainda presente no setor impede que se conheça a sua receita total e, portanto, o seu peso exato no PIB brasileiro. Acho que saberemos isso em breve, quando forem implantados definitivamente, e em caráter obrigatório, o conhecimento e o manifesto eletrônico de cargas, bem como o “tagueamento” da frota de caminhões (a que me referi em artigo anterior sobre o recadastramento no RNTRC, ora em fase final de preparação pela ANTT). Mas, enquanto isso não acontece, é possível fazer algumas especulações interessantes.

    Se não se pode precisar a receita, é possível estimar a sua despesa e, a partir desta, chegar àquela. Sabe-se, por exemplo, que a remuneração da mão de obra e o consumo de óleo diesel representam cerca de 60% das despesas totais do setor. Sabe-se, também, que o TRC deve gerar, atualmente, no mínimo 5,6 milhões de empregos (diretos e indiretos), valor a que se chega a partir da projeção conservadora de 3,5 empregos por veículo automotor de carga (3,5 x 1.616.782). Ora, ainda que consideremos um ganho médio extremamente modesto de R$ 3,0 mil/mês, para cerca de 2 milhões de motoristas (relação de 1,25 motorista/caminhão), inclusive autônomos, e de R$ 1,2 mil/mês para os 3,6 milhões de trabalhadores restantes, chegaremos a um gasto total com pessoal da ordem de R$ 135 bilhões/ano, inclusive 13º salário, sem encargos sociais.

    Por outro lado, sabe-se que, no ano de 2014, foram comercializados 60 bilhões de litros de diesel no país. Destes, 65% (ou 39 bilhões de litros) foram destinados a atividades de transporte, dentre as quais o Rodoviário participa com 96% (ou 37,4 bilhões de litros), considerando-se aí o transporte de cargas e de passageiros. Para encontrar a participação específica do TRC, utilizei a correlação das frotas de caminhões e ônibus efetivamente em operação no país, segundo a estimativa da ANFAVEA: 2,1 milhões de caminhões e 640 mil ônibus, o que nos leva a uma participação de 76,6% de caminhões no total dos veículos movidos a diesel, logo a um consumo de cerca de 28,6 bilhões de litros de diesel por ano, o que, aos preços atuais do produto, indica um gasto anual com combustível de cerca de R$ 85 bilhões. A título de prova da validade desse critério, chega-se a um número semelhante por outro caminho, ou seja, calculando-se que cada unidade registrada na ANTT em nome de ETCs e TACs rode em média 5 mil km/mês, com um desempenho de 3 km/litro, em média.

    Portanto, temos uma ordem de grandeza do gasto anual de dois dos principais itens de custo do TRC, com uma participação estimada em 60% do total. A partir disso, concluo que a receita bruta do setor, mesmo operando a preço de custo, não pode ser inferior a R$ 370 bilhões/ano, o que equivale a cerca de 6,7% do PIB de 2014 (R$ 5,521 trilhões, segundo o IBGE).

    Enquanto não tivermos um número mais preciso, a partir da implantação dos já referidos CTe e MCe, bem como do “tagueamento” da frota de caminhões, esta parece ser uma estimativa razoavelmente sólida e veraz. Fico com ela, até prova em contrário.

  • Por que a “oferta aparente” torna impossível o frete justo?

    30/06/2015

    Qual o preço justo de uma ação, ou de um automóvel usado, ou de um quilo de feijão? Numa visão absolutamente liberal, preço justo ou, no mínimo, adequado, é aquele que resulte da correlação oferta/demanda em cada momento, em cada lugar. Para isso existem, por exemplo, as bolsas de valores – que não por acaso são chamadas de templos do capitalismo – e uma miríade de leis de regulação do mercado de capitais, de defesa da concorrência e de proteção ao consumidor. A abundância e a escassez são circunstâncias que deprimem ou elevam os preços. Por isso mesmo, se alguém opera no sentido de falsificar um daqueles polos (a oferta ou a demanda), sujeita-se às sanções previstas nas leis de defesa do mercado. Isso é tão grave quanto, no futebol, pôr a mão na bola de propósito, ou por negligência, imprudência ou imperícia. [Nenhuma referência, é claro, ao pênalti idiota que acabou nos desclassificando da Copa América, no último sábado…].

    A partir desses conceitos, frete justo seria aquele que resultasse da correlação entre a oferta de meios de transporte e a demanda por transporte, num determinado mercado (assim entendido o tipo de produto que se quer deslocar, a partir de uma certa origem para um destino conhecido). Numa mesma cidade, num mesmo momento, podem existir vários mercados de transporte, porque o veículo que leva combustível não pode carregar soja, nem o graneleiro pode transportar veículos zero quilômetro e assim por diante, para mencionar apenas algumas das dezenas de especializações de transporte que exigem equipamentos específicos.

    Desde que a NTC surgiu, em 1963, o setor tem lutado para fazer com que o Estado brasileiro entenda que não é possível deixar esta atividade sujeita unicamente às leis de mercado, entre outros motivos, por conta da impossibilidade de se definir com clareza a oferta de transporte em cada mercado, em decorrência de um fenômeno que é da própria essência do transporte rodoviário de cargas (TRC), qual seja a possibilidade de terceirização (subcontratações ou redespachos), o que significa, na prática, que cada operador de transporte comparece ao mercado ofertando uma capacidade indefinida de transporte.

    Esquematicamente, se houver uma concorrência para a realização de um serviço que exige, digamos, 100 caminhões, salvo restrições impostas pelo embarcador, uma empresa de transporte que detenha esta frota poderá concorrer com inúmeras outras, que tenham ou não alguma frota, mas que contam com a possibilidade de subcontratar tantos caminhões quantos sejam necessários para suprir suas deficiências em termos de capacidade de transporte. Ou, então, dezenas de empresas sem frota alguma (os malfadados e sempre mal falados “agenciadores de carga”) disputarão entre si para ver quem terá o direito de ir ao mercado subcontratar os mesmos 100 caminhões, pelo preço miserável resultante desse embate surreal, miséria esta que será repassada para os transportadores autônomos ou para as microempresas que operam no mercado secundário.

    Este fenômeno que se repete milhares de vezes num único dia, em todo o país (principalmente nas situações em que não se exige equipamentos específicos), significa que há uma “frota fantasma”, a gerar uma oferta gigantesca de transporte que, todavia, não existe: ela é aparente, ectoplasmática. É o falso milagre da “multiplicação dos caminhões”, que mantém os fretes permanentemente aviltados, mesmo em face de demandas superaquecidas.

    Se juntarmos a isso a oferta artificial decorrente da prática de excesso de peso e dos excessos de jornada, que multiplicam a capacidade de carga da frota existente, teremos uma segunda “bolha rodoviária” – além daquela a que já me referi em artigo anterior – a evidenciar que é inadiável o estabelecimento de regras claras a impedir essas disfunções que fazem com que, nesse jogo, os operadores do TRC comecem sempre perdendo.

    Além da introdução de barreiras de ingresso, como capital e/ou frota mínima, idade máxima de frota para determinadas operações, seguros obrigatórios etc., e penas severas, que cheguem até à perda da autorização para exercer a atividade, em casos de infrações muito graves ou reiteradas, penso que deveremos começar a discutir alguma forma de limitação à prática da terceirização, que impeça, ou ao menos reduza sensivelmente, o fenômeno da oferta aparente de transporte e, assim, torne possível ao transportador ter alguma chance de êxito no jogo do mercado. Até mesmo o estabelecimento de uma tabela de preços mínimos, mesmo que fosse possível, não seria tão eficiente para garantir uma remuneração justa ao transportador (no sentido que apontei no início) quanto o disciplinamento efetivo da oferta de transporte. Uma relação 1 x 1 entre frota terceirizada e frota própria talvez fosse suficiente para garantir um mercado primário menos hostil às empresas de transporte, cujos efeitos acabam contaminando inevitavelmente o mercado secundário e aviltando o frete pago aos transportadores subcontratados. Mas é possível discutir qualquer outra relação desse tipo, na certeza de que qualquer limite será melhor do que a completa irracionalidade hoje presente em ambos os mercados. [Entenda-se que aqui introduzo um conceito novo, ou pelo menos muito pouco discutido entre nós, ao denominar “mercado primário” o que se estabelece entre os embarcadores ou donos das cargas e os transportadores contratados (geralmente ETCs), e “mercado secundário” o que se constrói entre estes e os transportadores subcontratados, quer sejam TACs, CTCs ou ETCs].

    Seja como for, a eficácia de regras novas – assim como de muitas das já existentes, que têm sido tratadas como letra morta – depende fundamentalmente da capacidade de fiscalização do Estado. E esta somente será efetiva se e quando puder ser feita eletrônica e automaticamente, com o mínimo de interferência humana, razão pela qual deposito as minhas melhores esperanças de um novo tempo para o TRC no recadastramento que a ANTT deverá lançar em breve, trazendo como grande inovação o “tagueamento” de todos os veículos automotores de carga. Isso viabilizará e apressará, entre outras inovações, o uso generalizado do Conhecimento de Transporte Eletrônico (CTe) e do Manifesto de Carga Eletrônico (MCe). Dentro de no máximo dois anos, tudo o que antes parecia impossível poderá se transformar em realidade corriqueira.

    A boa notícia é que aquela Agência reguladora não só detém a competência legal, como os meios para realizar esta grande mudança e, principalmente, a vontade política de enfrentar a efetiva regulação do TRC nacional, superando o imobilismo clássico do Estado brasileiro nesta área, que remonta aos tempos do regime militar, quando se construiu a doutrina de que o TRC deveria ser mantido à margem de qualquer regulamentação, para o bem do país e da economia brasileira.

    As incríveis distorções da nossa matriz de transportes e as centenas de milhares de pessoas que morreram desde então, em acidentes rodoviários que não precisavam ter acontecido, clamam pela revisão e reversão daquela estúpida teoria. Antes tarde que nunca.

  • Estipulação do RCTR-C e DDR são armadilhas que precisam acabar

    07/07/2015

    O empresário de transporte rodoviário de cargas assume, no exercício de sua atividade, riscos muito significativos, seja quanto à incolumidade da carga transportada, seja no que diz respeito a possíveis prejuízos a terceiros ou ao meio ambiente. Por isso mesmo é que costumo dizer que o Seguro é “insumo essencial” do Transporte. Os pioneiros, das décadas de 50 e 60 do século passado – quando a industrialização e o rodoviarismo davam os seus primeiros passos –, já percebiam isso com clareza. Há registros de reivindicações daquela época de um seguro que fosse obrigatório para gerar escala – ou “massa”, como se dizia – e, assim, assegurar tarifas módicas. A Associação Nacional do Transporte de Cargas – NTC (hoje, NTC&Logística), que teve papel estruturante na organização do setor em nível nacional, foi fundada em 17 de setembro de 1963, em torno de duas bandeiras principais: a regulamentação da atividade e a criação de um seguro obrigatório de responsabilidade civil que acobertasse os danos causados à carga transportada.

    A regulamentação, com a amplitude sonhada naquela época, não foi alcançada até hoje (apesar de muitos avanços nessa direção), mas o Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário – Cargas, ou simplesmente RCTR-C, foi criado apenas três anos depois do surgimento da NTC, por força do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que organizou o mercado segurador em nosso país. Não é à toa, portanto, que este seguro seja reconhecido como uma conquista do setor. E é natural que ele continue exercendo papel fundamental na luta dos operadores de transporte pelo aperfeiçoamento deste mercado, embora ainda evidencie as preocupações daquela época, em que as estradas eram ainda mais precárias e traiçoeiras do que são hoje, ao oferecer cobertura aos danos causados à carga transportada exclusivamente em decorrência de colisão, capotagem, abalroamento, tombamento, incêndio ou explosão do veículo transportador, a despeito do crescimento de outros riscos que se tornaram até mais importantes do que aqueles e que seguem cobertos por seguros facultativos, como é o caso do roubo de cargas.

    Faço essa digressão para lembrar que, em dezembro do ano passado, a NTC&Logística e a Seção de Cargas da Confederação Nacional do Transporte, através de seus respectivos presidentes, José Hélio Fernandes e Flávio Benatti – atendendo a reivindicações justíssimas e indignadas de inúmeras empresas de transporte de todo o Brasil –, encaminharam ofício ao senhor Superintendente da SUSEP (protocolado naquele órgão sob o número 10-015790/2014) em que denunciam o “solapamento das bases e a subversão da lógica do RCTR-C, numa ação concertada de algumas Companhias Seguradoras e de grandes embarcadores de carga, que insistem em impor ao mercado, de forma leonina e abusiva, a estipulação do seguro de RCTR-C, em nome e por conta do transportador rodoviário, oferecendo em contrapartida verdadeiras armadilhas, sob a forma de cartas de ‘dispensa de direito de regresso’, conhecidas como DDR”.

    Depois de expor, didaticamente, toda a inconsistência desse procedimento em face das normas regulamentadoras do RCTR-C (notadamente da Resolução CNSP nº 219, de 2010), e dos prejuízos que causa aos transportadores, gerando perda de produtividade, redução artificial de fretes e insuportável insegurança jurídica, aquele ofício, em sua conclusão, pede uma ação enérgica da SUSEP “no sentido de fazer com que este seguro, tão importante para o mercado de transporte, volte ao seu leito normal e retome as características que sempre teve, em cumprimento ao espírito da lei, que o quis um seguro especificamente do Transportador e o tornou obrigatório, não permitindo, portanto, essas transações opacas e velhacas”. E postula, especificamente, a “supressão de dois dispositivos da Resolução acima referida – a saber, parágrafo 4º do art. 1º e inciso IV do art. 20 –, que acabaram dando cobertura indevida e indesejável a toda sorte de abusos (…) que precisam ser coibidos, a bem do interesse público e da seriedade e respeitabilidade que devem caracterizar os contratos de seguro”.

    Pois bem, apesar da importância do assunto e de terem-se passado mais de seis meses desde então, aquela Superintendência de Seguros Privados queda-se inerte e silente, como se não fosse sua a missão de zelar pela manutenção do mercado segurador nos trilhos da estrita legalidade. E, saliente-se, esta atuação deve-se dar, sobretudo, para evitar abusos e danos aos clientes, aos consumidores, no caso, aos segurados, cujos interesses difusos carecem de uma proteção qualificada, atenta e pronta. Não é, infelizmente, o que se vê no caso em exame. O silêncio e a inação chegam a ser constrangedores.

    Notadamente no mercado de cargas fracionadas e de alto valor agregado, mas não só neste segmento, as empresas de transporte suportam custos absurdos (em muitos casos superiores a 10% da sua receita bruta) com medidas de gerenciamento de riscos impostas pelas seguradoras dos embarcadores, nas tais cartas de DDR que, na prática, introduzem limitações e restrições às Condições Gerais do RCTR-C não previstas na Resolução mencionada anteriormente. As exigências são draconianas e ilegais; muitas são de cumprimento impossível. Quando acontece o sinistro, este muitas vezes é liquidado pelo Seguro de Transporte Nacional do Embarcador (antigo RR) que, em seguida, busca o ressarcimento contra a empresa de transporte. Como esta não fez o seu seguro de RCTR-C, porque acreditou na “carta de DDR”, vê-se às voltas com ações de regresso promovidas pela Seguradora do Embarcador. É um passivo inesperado e injusto que se avoluma e que pode inviabilizar a sobrevivência de qualquer empresa.

    Isso não pode continuar. É preciso que a SUSEP retome, com urgência, o protagonismo e o ativismo que se espera de um órgão regulador e ponha ordem nesse terreno, em que devem prevalecer os princípios da confiança, da boa-fé e da razoabilidade, em relações marcadas pela transparência e pelo equilíbrio.

  • Transporte, logística e uma história inspiradora

    14/07/2015

    No período em que presidi a NTC (de 2002 a 2007), fiz um grande esforço para trazer para o quadro social da entidade os principais operadores logísticos do país. Para começar, criamos uma Câmara Técnica para abrigá-los e aprovamos uma alteração estatutária para que a denominação da entidade passasse a expressar essa inovação: “Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística” ou NTC&Logística, o que acabou inspirando muitas outras entidades do setor em todo o país (associações, federações e sindicatos), que também incorporaram a logística em seu escopo representativo e na sua denominação.

    Continuo achando que aquela foi uma iniciativa correta e que colocar sob o mesmo guarda-chuva a representação de transportadores e de operadores logísticos é uma solução natural e, de certa forma, inevitável, embora ainda existam várias associações específicas de logística, como a Abol e a Abralog, entre outras. Nada contra; se uma associação existe, é porque os sócios que a mantêm acham que ela faz sentido. Ninguém se disporá, voluntariamente, a sustentar uma instituição que não tenha utilidade prática. Mas penso que, com o tempo, acabaremos todos sob o mesmo teto, porque isso é da lógica das coisas e também porque há muitas empresas cujo negócio é híbrido, transporte e logística, ficando muito difícil separar uma coisa da outra, ainda que, conceitualmente, sejam muito nítidos os limites e os contornos de cada atividade. Mais difícil ainda é o transportador conseguir cobrar, além do frete, os serviços adicionais que ele acaba prestando sob demanda dos clientes embarcadores ou destinatários. Mas isso é assunto para outro artigo.

    Dia desses, refletindo sobre esses temas e sobre o papel absolutamente estratégico da Logística na viabilização do processo produtivo como um todo, me veio à lembrança algo que li há mais de dez anos e que me chamou muita atenção à época. Fui então reler a ótima biografia “Matarazzo – a travessia”, de autoria de Ronaldo Costa Couto, até encontrar o que procurava. A memória não me havia traído. Estava tudo lá, exatamente como eu tinha lembrança. Ali se conta, com detalhes muito saborosos e instigantes, como o jovem Francesco Matarazzo, no final do século XIX, repetindo a saga de tantos imigrantes, deixou a sua Castellabate, uma cidadezinha da região da Campânia, província de Salerno, com destino ao Brasil.

    Aqui chegando, fixou-se inicialmente em Sorocaba, que era, então, uma espécie de capital do tropeirismo, em que o grande negócio era o comércio de equinos e muares, provenientes do sul do Brasil, para servir aos tropeiros, que, como se sabe, são os ancestrais dos atuais empresários do TRC. Aliás, este foi também o seu primeiro negócio no Brasil, o que lhe permitiu viajar muito e conhecer os costumes e as carências do país ainda muito pobre e eminentemente rural que ele encontrou aqui. Misto de tropeiro e mascate, um belo dia ele resolveu se estabelecer, abrindo um pequeno armazém, em que vendia secos e molhados, inclusive banha de porco, que era importada dos Estados Unidos em barricas de madeira, embalagem adequada ao transporte marítimo, mas pouco aderente ao ticket médio dos seus fregueses, como se diz hoje…

    Não demorou muito para ele perceber a oportunidade de fabricar aqui a banha de porco. Ele dominava o processo, pois já fizera isso em sua terra natal, e os suínos eram abundantes na região de Sorocaba – talvez por isso, pouco valorizados. Não se pode esquecer que a banha de porco era, naquela época, insumo básico e insubstituível na cozinha de todas as famílias, ricas ou pobres, fosse para cozinhar, fosse para conservar os alimentos. Por outro lado, o produto made in USA, o único disponível, chegava ao armazém do futuro conde Matarazzo muito caro, por conta do frete marítimo e dos manuseios e percalços do precaríssimo transporte terrestre. Além disso, o transit time já comprometia uma boa parte da vida útil do produto, perecível pela própria natureza.

    Em pouco tempo, ele desenhou e mandou fazer uma prensa de madeira, com algumas partes em metal, com a qual ele passou a fabricar a banha nos fundos do seu armazém. Para tanto, montou um esquema de aquisição de toda a produção de porcos na região de Sorocaba. O êxito do seu empreendimento foi fulminante. Mas, mesmo assim, algo ainda o incomodava. Ele continuava usando as mesmas barricas de madeira para embalar o produto final. Elas eram grandes e pesadas demais, encarecendo e dificultando o transporte, além de complicar a comercialização, porque as pessoas compravam, geralmente, quantidades bem menores, que eram embrulhadas e carregadas pelos fregueses, em condições inadequadas de conforto e higiene.

    Deu-se então o “estalo” do gênio empreendedor; foi a primeira e, talvez, a mais importante, dentre tantas sacadas que acabaram por transformar Francesco Matarazzo, em tempo relativamente curto, no homem mais rico da América Latina, dono de um verdadeiro império empresarial, também sem paralelo no continente. Ele inventou, simplesmente, a banha de porco em lata, que permitia que o produto fosse transportado de forma muito mais adequada, a custos muito menores e vendido com o fracionamento ideal, que ele bem conhecia a partir da experiência do seu pequeno comércio. Como rapidamente a demanda de latas se tornou muito maior do que a capacidade de atendimento do mirrado parque industrial de então, ele não perdeu tempo e passou a fabricar latas, que foi a sua primeira grande indústria, depois da desajeitada prensa de madeira com a qual ele começou a produção de banha. Sendo conhecedor também dos segredos da distribuição, mascate e tropeiro que fora – e que continuava a ser –, Matarazzo foi estendendo o seu círculo de comercialização, até cobrir praticamente todo o país.

    Em poucos anos, sem contar com qualquer tipo de subsídio ou de apoio governamental, ele empreendeu talvez o primeiro grande processo de substituição de importação da nossa história, praticamente varrendo a banha de porco norte-americana do mercado brasileiro. Não por decreto, mas por pura competência.

    Fiz esta rapidíssima incursão sobre a magnífica obra do ex-ministro e ótimo contador de histórias Ronaldo Costa Couto, antes de tudo para recomendar a leitura dos dois volumes e mais de 600 páginas dessa verdadeira epopeia que foi a vida do conde Francesco Matarazzo. Vale cada minuto e cada página.

    Além disso, fui buscar este episódio para dar um exemplo prático de como transporte, logística e comércio são, na sua essência, partes essenciais do processo produtivo e elementos indispensáveis ao êxito de qualquer negócio. No caso, como se viu, o “ovo de Colombo” foi muito mais a embalagem do que propriamente o seu conteúdo. It’s logistics, stupid, como diria James Carville, o célebre estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton.

    A verdade é que, se o velho conde continuasse a produzir e vender banha de porco em barricas, talvez viesse a ser apenas um empresário bem sucedido, que um dia, quem sabe, voltaria para a sua Castellabate, com um bom dinheiro e um grande patrimônio, mas sem nenhum brilho nos olhos e sem uma história inspiradora a ser contada…

  • A quem interessa ampliar a crise?

    21/07/2015

    Não tenhamos ilusões; as enormes dificuldades que o setor de transportes vem enfrentando desde meados do ano passado têm inúmeras causas e explicações, mas uma só solução verdadeira: o país voltar a crescer a taxas de 4 a 5% ao ano, de forma consistente, durante uma década ou mais. O mesmo remédio, claro, vale para o conjunto da nossa economia. Quanto mais tempo demorar para embarcarmos novamente num ciclo de crescimento, piores serão as consequências dessa fase de ajuste, cujo potencial de desorganização da economia já é, em si, muito grande, mas que, neste momento, tornou-se muito pior, por conta dos desdobramentos da “Operação Lava Jato”, que praticamente paralisou os investimentos nos setores atingidos (Petrobras e grandes empreiteiras).

    Por tabela e, também, por conta da crise política resultante, o resto da economia também está devagar, quase parando. Ninguém faz novos investimentos ou toma qualquer decisão importante sem ter uma noção mais clara do que está por vir. É evidente que as taxas de juros nas alturas também contribuem muito para isso. Mas a verdade é que já não é possível saber quanto da atual retração econômica se deve ao programa de ajuste do ministro Levy e quanto é proveniente da crise econômica e política, de proporções inusitadas e desdobramentos imprevisíveis, decorrente da “Lava Jato”, com seus meandros, delações, ilações e vazamentos seletivos.

    Entendo perfeitamente que políticos enredados nessas “tenebrosas transações” busquem criar um clima de crise institucional, fazendo declarações bombásticas e suscitando toda sorte de especulação – impeachment, cassação de mandatos, CPIs etc. –, alguns apenas para fazer o jogo político e para desgastar o adversário, outros para tentar embaralhar as cartas e esticar o jogo ao máximo, até, quem sabe, melar tudo. Talvez esta seja a única maneira de aqueles políticos já bastante enlameados escaparem de um previsível e melancólico fim de carreira ou, no mínimo, de uma vistosa tornozeleira eletrônica.

    O que não consigo entender é que empresários, que têm muito a perder, embarquem na aventura dos que já não têm mais quase nada a preservar e ponham pilha nessas soluções que só tornam o processo mais complexo e difícil de ser deslindado. Tirar o gás da crise institucional e ajudar a que o ajuste fiscal se complete o mais rapidamente possível, para que a economia possa voltar a crescer: esta deve ser a aposta de quem está preocupado com a retomada dos negócios e com a preservação dos empregos, porque é a única solução que abrevia a crise, reduz riscos e minimiza perdas da sociedade como um todo.

    É claro que nada do que eu disse aqui significa transigir com a corrupção ou com a canalhice política. As culpas devem ser objeto de apuração, com a observância do devido processo legal e, quando comprovadas, ensejar as penas previstas no nosso ordenamento jurídico. Crimes devem ser julgados nos tribunais, por quem estiver investido de poderes para tanto. Erros políticos, mesmo possíveis “estelionatos eleitorais”, devem ser julgados nas urnas, pelo povo, com a periodicidade prevista na Constituição e nas leis. Já o impeachment é uma solução híbrida e excepcionalíssima, em que um crime é submetido a julgamento político, no Parlamento, porém sob a coordenação do presidente do STF. É preciso que a figura delituosa esteja perfeitamente caracterizada e que haja clima político para a adoção desse caminho. Os que viveram o processo que levou ao afastamento do presidente Collor não devem cometer o erro de supor que um eventual impeachment da presidente Dilma possa tramitar com a mesma tranquilidade institucional. Ao contrário, a hipótese mais provável é a de um quadro muito tumultuado, de solução demorada, que poderá gerar danos irreparáveis às instituições e à economia do país.

    A tentativa de inverter ou confundir esses processos, e a tendência de transformar tudo em espetáculo midiático, pode fazer sentido para alguns atores do mundo político, para as grandes bancas de advocacia ou para os proprietários de emissoras de televisão, jornais e revistas. Mas estou convencido de que não é, nem de longe, o que convém ao país real, que vive e trabalha muito longe das intrigas de Brasília.

  • A imprudência cobra o seu preço

    28/07/2015

    Quem gosta de leis e de salsichas não deve procurar saber como são feitas”. O alerta bem humorado é do célebre chanceler alemão Otto Von Bismarck (1815-1898). Nada contra as salsichas e embutidos em geral – que, aliás, eu aprecio –, cuja fabricação evoluiu muito e hoje não deve guardar mais qualquer semelhança com os métodos utilizados no século XIX. Já com relação às leis, não é possível ter a mesma certeza, sobretudo no Brasil. Exemplo recente foi a tumultuada tramitação do projeto que acabou se transformando na Lei nº 13.103, de 2/3/15, conhecida como a “Lei do Caminhoneiro”. Sem dúvida, ela tem aspectos que podem ser considerados positivos. Mas, em meio a estes, é possível reconhecer alguns jabutis, como são chamados, no jargão parlamentar, os penduricalhos adicionados a um projeto, não relacionados ao objeto central do mesmo, para atender a interesses que nem sempre ficam muito claros. É o caso, por exemplo, do artigo 17 daquela Lei: “Os veículos de transporte de cargas que circularem vazios não pagarão taxas de pedágio sobre os eixos que mantiverem suspensos”.

    Desde que tomei conhecimento desta proposta, percebi que ela seria fonte de muitos problemas e que as lideranças dos caminhoneiros que a defendiam iriam ter fortes decepções. Em primeiro lugar, porque não seria possível a sua aplicação pura e simples aos contratos de concessão vigentes sem violar o princípio constitucional da irretroatividade das leis [CF, art. 5º, inciso XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”], que representa uma garantia fundamental de cada cidadão contra a tirania de maiorias eventuais. Ela poderia valer para os futuros contratos, mas não para os atuais, salvo se, em relação a estes, os seus efeitos negativos sobre a receita das concessionárias fossem mitigados por medidas de reequilíbrio contratual. Em ambos os casos, ao invés do benefício esperado, haveria prejuízo para a maioria dos caminhoneiros e empresas de transporte, cujos veículos não se prestam ao expediente de soerguimento de eixos, nem suas operações recomendam esta prática. Como se sabe, “não há almoço grátis”; se alguém não paga, outros, necessariamente, estarão pagando em lugar daquele.

    Não bastasse tudo isso, tal como redigida, a lei seria de cumprimento quase impossível, pois, em muitas situações, não se pode constatar, visualmente ou sem uma inspeção mais atenta, se o veículo que circula com eixos suspensos está efetivamente vazio. Aliás, a simples definição do que seja “veículo vazio” já não é tarefa fácil.

    Por fim, havia a questão de saber se uma lei ordinária federal teria aplicação também sobre rodovias estaduais concedidas, o que me parece bastante duvidoso, já que, a rigor, não se trata de uma disposição sobre “transporte e trânsito” (matéria em que a competência privativa da União para legislar é incontroversa), mas sobre “concessão”, ao pretender regular o que pode ser objeto de cobrança de pedágio.

    Enfim, o dispositivo em questão me parecia tão complicado que, com certeza, não escaparia ao crivo de uma das casas do Congresso Nacional. E, se porventura passasse, sucumbiria ante o veto da Presidência da República.

    Pois não aconteceu nem uma coisa, nem outra. O nosso Parlamento fez jus à observação de Bismarck e passou a bomba para o Palácio do Planalto. Enquanto corria o prazo de 15 dias para a promulgação do texto aprovado, a presidente Dilma se viu diante da grande paralisação dos caminhoneiros, cuja pauta de reivindicações tinha, como item número 1, a “sanção sem vetos da Lei do Caminhoneiro”, para alegria de todos os que tinham patrocinado os diversos “jabutis” contidos no projeto aprovado pelo Congresso.

    Assim, apesar das recomendações de veto que foram encaminhadas à Casa Civil pelas áreas técnicas do Governo, a Presidente da República, sob o peso de uma grave crise econômica e política, resolveu se poupar do desgaste de enfrentar categoria tão numerosa, ruidosa e mobilizada. E acabou por sancionar o projeto na íntegra, sem vetos, transformando-o na já referida Lei nº 13.103.

    O que tinha toda a probabilidade de dar errado, não para de gerar más notícias (Lei de Murphy). Primeiro, a ANTT, que tem obrigação de viabilizar o cumprimento da disposição legal, saiu pela tangente: diante da impossibilidade operacional de inspecionar todos os veículos de carga com eixos suspensos, em cada praça de pedágio, para constatar se eles estão de fato vazios, determinou que, em caráter temporário, para efeito da definição da tarifa de pedágio aplicável, presumir-se-ão vazios os caminhões que trafegarem nas condições previstas na lei, isto é, com um ou mais eixos erguidos. Deu-se um “jeitinho” de corrigir a bobagem da lei, ao prever que o veículo deverá estar vazio para que seus eixos suspensos possam usufruir da isenção do pedágio. Esta é uma daquelas soluções temporárias com grande potencial de se eternizar.

    Em seguida, o Estado de São Paulo – que há dois anos trocou um aumento ordinário das tarifas, que seria superior a 6%, pela cobrança dos eixos suspensos – viu-se diante de uma séria dificuldade: se tivesse de aplicar o art. 17 da Lei nº 13.103, teria de devolver à tarifa o aumento que fora suprimido. Mas foi salvo por uma decisão judicial que, acertadamente, a meu ver, reconheceu que a lei ordinária federal, no caso, somente seria aplicável às concessões federais, não podendo alcançar as estaduais. Melhor assim, pois, caso contrário, todas as tarifas de pedágio, dos carros de passeio, dos ônibus e mesmo dos eixos de caminhões que permaneçam rodando já estariam cerca de 6% mais caras.

    Mas não terão a mesma sorte os que trafegam pelas rodovias federais concedidas. Já começaram os realinhamentos de tarifas por conta da isenção dos eixos suspensos. Para dar apenas o exemplo da rodovia Presidente Dutra (há outras, principalmente de Minas Gerais, em que a situação é muito pior), a partir de 1º de agosto, como acontece todos os anos, entram em vigor as novas tarifas, aprovadas pela ANTT. O reajuste da tarifa básica será de 16,8%, dos quais 8,89% representam a variação do IPCA do período, e outros 7,26% são por conta de reequilíbrio do contrato, sendo 6,33% em decorrência da proibição de cobrança dos eixos suspensos e 0,93% por outras circunstâncias. O mesmo deverá acontecer com todas as concessões federais de rodovias, em suas respectivas datas-bases de reajuste.

    O máximo que podemos fazer diante disso é discutir se o número é este mesmo, se o critério utilizado para calcular a perda de receita decorrente da lei nova está correto etc. Mas não dá para questionar o direito de as concessionárias terem reequilibrados os seus contratos. Se não se fizer isso, elas é que poderão ir a Juízo para arguir a inaplicabilidade da lei em questão aos contratos vigentes, com base no já mencionado preceito constitucional.

    Essas consequências indesejáveis de uma lei mal feita e mal discutida, que pode resultar em algo oposto ao que se pretendia, devem servir de alerta para a necessidade de uma maior prudência ao postular junto ao Governo e à classe política. É preciso avaliar cuidadosamente cada palavra inserida no texto da lei, calcular seus efeitos e como será interpretada pelo Poder Judiciário. Isso não é tarefa para amadores, especialmente quando se está diante de um quadro político tão complicado, em que tudo pode acontecer.

    A propósito, ouvi, outro dia, de um alto funcionário governamental, uma frase enigmática, mas altamente significativa, exatamente a respeito das tensas discussões em torno do movimento dos caminhoneiros: “cuidado com os seus desejos, eles podem se realizar”. Ele tinha razão.

  • Concessões, PPPs e o futuro

    04/08/2015

    Um excelente trabalho desenvolvido pela Confederação Nacional do Transporte, o “Plano CNT de Transporte e Logística 2014” (5ª edição), faz um diagnóstico objetivo e certeiro, quando diz: “Uma significativa parcela da infraestrutura de transporte, em todas as modalidades, encontra-se obsoleta, inadequada ou ainda por construir. Algumas delas operam no limite ou mesmo acima da sua capacidade, enquanto outras carecem de manutenção” (…) essa situação representa um entrave ao crescimento do país e gera reflexos negativos, como aumento do tempo de viagens, maior custo operacional, aumento do número de acidentes e dos níveis de emissão de poluentes”.

    Impossível discordar disso. É o retrato em preto e branco do nosso país. Temos um teto baixo que nos achata e nos impede de voos mais altos. Sempre que ameaçamos crescer um pouco mais, a nossa infraestrutura raquítica entra em colapso e nos faz lembrar que não podemos nos dar a este luxo.

    Quem não se recorda do que aconteceu principalmente no segundo mandato de Lula? O PIB cresceu 6% em 2007, 5% em 2008 e 7,6% em 2010 (só em 2009 não apresentou crescimento, em função da crise que se originou da bolha imobiliária norte-americana). Bastaram três anos bons para passarmos a conviver com um verdadeiro inferno. Aeroportos e terminais rodoviários abarrotados, cidades e estradas parando, trânsito caótico em terra, no ar e no mar, filas de caminhões nos portos, a ponto de um então ministro manifestar a sua torcida por um crescimento menor. Suprema ironia.

    Mas, de repente, aquela sensação de fim de mundo arrefeceu. Por quê? Corrigimos os problemas? Não, exceto por algumas ações e intervenções localizadas. Estou convencido de que as coisas apenas se acomodaram em um patamar mais suportável porque o país voltou à triste rotina das taxas medíocres de crescimento, a comprovar a tese de que as notórias deficiências de infraestrutura representam, sim, um poderoso entrave ao nosso desenvolvimento.

    Mas aquele estudo da CNT não se limita ao diagnóstico. Num esforço técnico extraordinário e numa contribuição valiosíssima ao planejamento de transportes em nosso país, identificou, detalhou e quantificou 2.045 projetos prioritários de infraestrutura de transporte, de todos os modais, nas áreas de cargas e de passageiros. Dividem-se em projetos de integração nacional e urbanos. Os primeiros incluem ações ao longo de 9 eixos estruturantes multimodais. Os segundos são projetos de transporte público em 18 regiões metropolitanas (para saber mais, sugiro consulta ao site da entidade: www.cnt.org.br .

    E quanto custaria eliminar o nosso atraso logístico, colocando a infraestrutura do país em linha com as suas inegáveis potencialidades? O “Plano CNT de Transportes e Logística” traz a resposta, numa estimativa conservadora e supondo propina zero, em tempos de “Lava Jato”: a bagatela de R$ 987 bilhões, quase 20% do PIB!

    Não dá para ter ilusões: com as atuais restrições orçamentárias, contando apenas com recursos públicos, não teríamos condições de enfrentar este desafio nem nos próximos 30 ou 40 anos, mesmo que tivéssemos a inédita sorte de eleger uma sequência de governos extraordinariamente competentes, com padrões escandinavos de eficiência e moralidade administrativas. Acontece que as obras listadas como prioritárias são para ontem; já deveriam estar concluídas e servindo à população. Como não estão, o mínimo que se espera é que elas sejam iniciadas e fiquem prontas no menor prazo possível.

    Ora, como se sabe, o setor público, no Brasil (por suas deficiências gerenciais crônicas, que não se limitam ao multissecular problema da corrupção), está com sua capacidade de investimento reduzida a uma insignificância, quando comparada à imensidão das nossas carências. União, estados e municípios, com raríssimas exceções, têm as suas receitas quase totalmente comprometidas com o pagamento de pessoal, ativo e inativo; despesas compulsórias (vinculações constitucionais) e pagamento de juros e/ou amortização de dívidas. Sobra quase nada para novos investimentos.

    Por outro lado, não há condições econômicas e políticas para aumentar a carga tributária. A irresponsabilidade fiscal pode representar até perda de mandato. Já não se pode reproduzir a mágica do endividamento ilimitado, realizada durante décadas por gestores de todas as origens e ideologias, inclusive durante o ciclo militar, o que representa um avanço formidável, porque atesta o nosso amadurecimento. De fato, aprendemos que é uma covardia inominável passarmos a conta da nossa incompetência para aqueles que não podem se defender nem manifestar a sua opinião, porque ainda sequer nasceram. Uma nação só se torna realmente adulta quando descobre, finalmente, que ela não pode ser reduzida à geração que está no comando, mas que é constituída também pela inspiração dos seus antepassados e pelo sagrado respeito às gerações futuras.

    Portanto, temos duas opções claras: ou abdicamos de ter um país plenamente desenvolvido (o que também seria um crime hediondo contra o futuro), ou tratamos de viabilizar aqueles enormes investimentos com recursos privados.

    Se é assim (e estou convencido de que é), precisamos deixar de lado as idiossincrasias e tratar de lidar com isso com racionalidade. Os pontos fundamentais a serem resolvidos são: como atrair grupos privados, nacionais ou estrangeiros e colocá-los a competir para construir e/ou operar cada um dos mais de 2.000 projetos identificados no estudo já referido? Como garantir que a remuneração seja atrativa o suficiente para despertar o “instinto animal” dos competidores (em jogo limpo, sem as maracutaias de bastidores) e, não obstante, resulte em tarifas módicas para os usuários? Como assegurar que aqueles operem com a máxima eficiência e na perspectiva do interesse público, sem prejuízo de terem direito ao lucro justo, assim entendido o que resulte do estrito cumprimento do contrato?

    As concessões e as parcerias público-privadas podem oferecer respostas para todas essas questões. Não estamos condenados a repetir os erros que marcaram muitas das experiências que tivemos até aqui, tanto no plano federal, como em vários estados. Já há consensos estabelecidos, novas tecnologias e a necessária massa crítica para darmos um salto de qualidade nesses instrumentos, como espero conseguir demonstrar na continuação deste artigo.

    (continua)

    11/08/2015

    Concessões, PPPs e o Futuro – 2ª Parte

    Na primeira parte deste artigo, procurei demonstrar como são importantes os investimentos em infraestrutura para que o Brasil possa experimentar um ciclo longo de crescimento econômico e de desenvolvimento social, já que as nossas carências nessa área acabam funcionando como um teto, a limitar até mesmo os “voos de galinha” que às vezes temos dado. Demonstrei também que esses investimentos são vultosos e inadiáveis, e que eles precisam ser feitos num momento em que os recursos públicos são insuficientes para atender prioridades, ainda mais sensíveis, como saúde, educação, segurança pública, saneamento básico etc.

    Não foi por outro motivo, aliás, que praticamente toda a segunda fase do Programa de Investimento em Logística – PIL, lançada pelo Governo Federal em 9 de junho último, foi concebido para ser executada pela iniciativa privada, em regime de concessão.

    São inúmeras intervenções em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, que totalizam quase R$ 200 bilhões (20% do total identificado pelo “Plano CNT de Transporte e Logística – 2014”), a serem realizados no período de 2015 a 2018. Esta foi, aliás, uma extraordinária evolução para um Governo que tinha sérias dificuldades de aceitar esse tipo de parceria. É muito instrutivo, aliás, ouvir o que disseram, na ocasião, a presidente Dilma e os ministros Levy e Nelson Barbosa em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/06/nova-fase-de-programa-preve-r-1984-bilhoes-para-infraestrutura.html.

    Trata-se de uma manifestação de realismo político e do abandono de velhos clichês ideológicos, forçada, é verdade, pela necessidade dramática de recuperar o nível de investimento, diante das crises gêmeas – econômica e política –, que têm matrizes diferentes, mas se retroalimentam e são diariamente agravadas pelas revelações da Operação Lava Jato. A Petrobras e as grandes empreiteiras viram-se na contingência de frear abruptamente seus investimentos. Consta que essa paralisia atinge mais ou menos 1/3 dos investimentos públicos e privados no país.

    Ora, um forte programa de obras de infraestrutura, além da função precípua de eliminar os gargalos que impedem o crescimento do país, tem nítido caráter anticíclico, gerando novos empregos e encomendas em larga escala, animando a economia e, neste momento, ajudando também a salvar algumas das maiores empreiteiras do país. Para quem se escandalizar com esta minha última afirmação, vou logo avisando que não compactuo com qualquer forma de impunidade. O combate sem tréguas à corrupção é fundamental e corresponde a um justo anseio nacional. Mas não se pode perder de vista o princípio universal de que a pena não deve ultrapassar a pessoa do criminoso. Assim, a punição, absolutamente necessária, dos eventuais culpados entre os gestores das empresas envolvidas no “Petrolão”, bem como a de seus parceiros (ou comparsas) do setor público – e mesmo as penas aplicáveis às próprias empresas, nos termos da recente “Lei Anticorrupção” –, não devem chegar ao extremo de inviabilizá-las.

    Além do mais, o Brasil não pode abrir mão do know how e da capacidade técnica acumulada por essas organizações, que estão entre as maiores e melhores do mundo em construção pesada e em grandes obras públicas. Se acontecer a desarticulação e, no limite, a dissolução delas, desaparecerão milhares de empregos de qualidade e perderemos a capacidade de tocar, simultaneamente, as centenas de obras que compõem o PIL, já referido.

    Em entrevista recente, o presidente do BRADESCO, Luiz Trabuco, diz que uma retomada de crescimento somente deverá ocorrer a partir de meados do próximo ano e “será puxada pelos investimentos em infraestrutura” (Folha de São Paulo, 8/8/15, pág. A-19). Ver mais em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/08/1666207-para-presidente-do-bradesco-crise-e-grave-e-solucao-exige-grandeza.shtml. Se o prognóstico dele estiver certo – e acho que está –, o eventual naufrágio do PIL, tragado pelo tsunami da Lava Jato, representaria, além de tudo, a perda da nossa “bala de prata”.

    Vejo algumas pessoas, com a visão turvada pela radicalização do debate político, torcendo para que isso aconteça, porque supõem que este seja apenas mais um fator de desgaste para o Governo. Na verdade, se o agravamento do quadro político e o consequente clima de insegurança para os negócios não nos permitir avançar e ampliar consideravelmente o programa de concessões e parcerias público-privadas – na linha do previsto no PIL e, a longo prazo, na extensão preconizada pelo “Plano CNT de Transporte e Logística” – isso será um enorme problema para o país como um todo. Pior do que perder o grau de investimento será perder o status de nação emergente; e de sermos melancolicamente devolvidos à condição de país subdesenvolvido.

    Para além da questão política, há ainda a tendência profundamente equivocada, a meu ver, inclusive entre empresários, de demonizar a concessão de obras e serviços públicos, chegando mesmo à defesa de quebra de contratos, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Tratarei dessas e de outras questões, ainda muito mal discutidas e compreendidas entre nós, na terceira e última parte deste artigo.

    (continua)

    25/08/2015

    45 anos no transporte de cargas! | Concessões, PPPs e o Futuro – 3ª Parte

    45 anos!

    Escrevo na 2ª feira, 24 de agosto, data de eventos sinistros para a história do Brasil, mas que tem um significado muito especial para mim. Ela marca o dia em que, há exatos 45 anos (1970), entrei pela primeira vez numa empresa de transporte e, portanto, no setor do qual nunca mais saí.

    Foi naquele mesmo dia que também conheci Thiers Fattori Costa, a quem devo o impulso inicial e o permanente incentivo para quase tudo o que acabei podendo realizar no setor de transporte. Thiers foi um ser humano extraordinário e uma grande líder. Mas, para mim, foi acima de tudo um amigo, uma espécie de irmão mais velho, que só fez me ajudar e me dar bons exemplos. Quando tento reconstituir esses 45 anos de vida profissional, a figura mais frequente nas minhas lembranças é exatamente a dele, com seu sorriso largo, o seu otimismo, a sua energia contagiante.

    Depois, ao longo de todos esses anos, acabei fazendo, claro, outros grandes amigos. Alguns também já se foram. Com outros, felizmente, ainda convivo e aprendo todos os dias. Gostaria de poder citar o nome de cada um; mas não devo; qualquer omissão seria imperdoável. Por isso, ao deixar a todos a minha mais sincera e comovida homenagem, peço que me permitam fazê-lo, simbolicamente, na pessoa do Thiers, por ter sido ele o primeiro e o que mais andou ao meu lado nessa longa caminhada.

    Concessões, PPPs e o futuro – 3ª Parte

    Nos dois capítulos anteriores deste artigo, procurei demonstrar que o Brasil só voltará a sustentar um ciclo longo de crescimento se fizer pesadíssimos investimentos em infraestrutura logística, para romper os gargalos que temos nesta área e, ao mesmo tempo, para “puxar” o processo de retomada do nosso desenvolvimento econômico e social. Nenhuma novidade. Foi assim que o presidente Franklin D. Roosevelt tirou os EUA da Grande Depressão, na década de 30, com o seu New Deal, baseado no pensamento do Lord Keynes (John Maynard Keynes, inglês, reconhecido como o maior economista do século XX).

    O estado da arte nesta matéria foi dado pelo “Plano CNT de Transporte e Logística”, que definiu 2.045 projetos prioritários em todo o país, a um custo total de quase R$ 1 trilhão, ou 20% do PIB. Dentre estes, o “Programa de Investimentos em Logística (PIL)”, do Governo Federal, lançado em 9 de junho último, prioriza uma parte, a ser realizada de 2015 a 2018, a um custo aproximado de 20% daquele ou cerca de 4% do PIB.

    Que não há recursos públicos disponíveis para tocar um programa dessa envergadura já era fato sabido por quantos têm estudado a matéria em nosso país. A novidade é isso ser reconhecido pelo Governo. De fato, superando velhas travas ideológicas, o PIL foi todo ele estruturado a partir do pressuposto de que as obras serão realizadas pela iniciativa privada, em regime de concessão.

    Menos mal. Ultrapassamos um falso dilema, o que nos permite agora enfrentar alguns problemas que são verdadeiros e concretíssimos: 1) transformar esses planos em projetos, inclusive projetos executivos, para que possam ser dimensionados em termos de custos e, assim, licitados; 2) estruturar e realizar processos licitatórios que não ensejem contestações; 3) atrair o interesse do maior número possível de grupos privados, nacionais e estrangeiros, para que a disputa seja aguerrida e dela resultem as melhores condições para os usuários; 4) recuperar a capacidade de financiamento dos bancos públicos, BNDES à frente.

    Nada disso é simples. Os quadros do setor público, que são tão inchados onde não interessa, revelam-se escassos para desenvolver ações como essas, que exigem conhecimentos técnicos específicos. Há ainda as complicações inevitáveis decorrentes do licenciamento ambiental e da atuação institucional dos órgãos de controle. Nada contra, desde que tudo seja feito com critério e pertinência, realmente em defesa do interesse público e do bem comum, sem paranoia, preconceitos e ruídos desnecessários.

    Quanto ao financiamento, público e privado, inclusive à captação de recursos através do mercado de capitais, não se pode desprezar os óbices representados pelas crises econômica e política, que reduzem a massa de recursos disponíveis e, sobretudo, tornam empreendedores e investidores muito mais ariscos e menos propensos ao risco, senão cobrando spreads cada vez mais elevados.

    Por outro lado, é preciso reconhecer que – ao contrário do que acontecia há cerca de 20 anos, quando começamos timidamente a realizar as primeiras concessões – temos hoje uma experiência acumulada bastante significativa; sabemos o que fazer e, sobretudo, o que não fazer nessa matéria. Temos também uma legislação razoável (que sempre pode ser aperfeiçoada) e órgãos reguladores que apresentam um grau de profissionalização bem maior do que tinham no início, o que os torna aptos a desenvolverem novas modelagens de editais e de contratos, de modo a garantir que os interesses difusos da sociedade prevaleçam sobre os interesses concentrados dos operadores.

    Além disso, os órgãos de controle, tais como o TCU, CGU e o Ministério Público, este atuando com grande independência, vão tornando cada vez mais difícil a vida de quem, eventualmente, tente se desviar do bom caminho. Os grandes usuários, como os transportadores rodoviários de carga, também aprenderam a se relacionar com concessionárias e agências reguladoras, cobrando respeito aos contratos e estrita observância de suas cláusulas.

    Sou testemunha disso, pela atuação que iniciei quando presidi a NTC, criando os Grupos Paritários de Trabalho com a participação de transportadores, concessionárias e órgãos do Governo. Aprendemos muito sobre concessões. E as concessionárias aprenderam sobre transporte. O nosso relacionamento passou a ser muito mais respeitoso e proativo.

    Por fim, os desdobramentos da “Operação Lava Jato” tendem a criar um ambiente de maior respeito à lei por parte dos grandes grupos que costumam acorrer a esses certames licitatórios, inibindo a cartelização e outras práticas que conspiram contra os interesses dos usuários no tocante, principalmente, à modicidade tarifária.

    Por falar nisso, uma das coisas que aprendemos é que há uma enorme margem para se reduzir as tarifas de pedágio, mesmo dos contratos já celebrados, sem provocar desequilíbrios econômicos e financeiros nos mesmos. Da mesma maneira – e com maior facilidade –, será possível obter-se tarifas muito mais módicas para os usuários nas novas concessões, desde que atendidos alguns pressupostos, tais como:

    fim das outorgas onerosas;

    licitações sempre pela menor tarifa, com pré-qualificação técnica e econômica dos licitantes;

    desoneração tributária dos contratos de concessão;

    cobrança eletrônica, por quilômetro efetivamente utilizado;

    universalização da cobrança, eliminando-se toda e qualquer gratuidade;

    moderação na exigência de obras de duplicação, terceiras faixas, dispositivos de acesso, retorno ou contorno, passarelas etc., a serem custeadas pela tarifa;

    distribuição das obras ao longo de todo o prazo de contrato (ao invés de concentrá-las no início dele), sempre que a realidade de cada rodovia o permita, de modo a aliviar o fluxo de caixa e, por consequência, a tarifa.

    Observados esses pressupostos, as tarifas de pedágio que hoje são praticadas entre nós poderiam sofrer reduções superiores a 50%, sem perda de qualidade dos serviços, sem desequilibrar contratos e sem reduzir a atratividade do negócio nas futuras concessões. Basta ter um mínimo de coragem política e de capacidade gerencial.

    O que, entretanto, é mortal, afugentando competidores e inviabilizando as concessões e qualquer outra forma de parceria entre investidores privados e o poder público, é a insegurança jurídica decorrente do desrespeito dos contratos por parte do poder público, para atender aos reclamos por menor tarifa ou para tentar arrancar do concessionário mais do que ficou ajustado por ocasião da licitação e da celebração do contrato.

    Não estou entre os maiores admiradores das agências de avaliação de risco, que vivem “tomando bolas no meio das pernas”, como aconteceu em muitas situações, inclusive no episódio da “bolha imobiliária” norte-americana, em que algumas dessas agências mantiveram o grau de investimentos de fundos lastreados em títulos e créditos “podres”, como ficou evidente quando a bolha estourou.

    Acho um absurdo que a política econômica de um país do tamanho do Brasil seja condicionada pelo medo de levar nota baixa dessas agências. Mas elas são um dado da realidade atual dos mercados globais. Por preguiça de ir à luta, investigar e tirar suas próprias conclusões – e também para diluir suas responsabilidades em face de eventuais fracassos –, executivos financeiros do mundo inteiro (com a possível exceção de China e Rússia) fiam-se na palavra desses escritórios de rating, como se fossem dogmas, para investir vultosos recursos de terceiros num país ou numa empresa.

    Digo isso para destacar uma passagem do relatório da Moody’s, uma dessas agências, que recentemente rebaixou a nota do crédito soberano do Brasil e, por conta disso, rebaixou também a de algumas grandes empresas operadoras de infraestrutura, entre outras companhias, exatamente por serem concessionárias de serviços públicos e por estarem, assim, sujeitas aos humores inconstantes de agentes governamentais, sobretudo num momento de crise econômica e turbulência política.

    Afirma a Moody’s, com todas as letras, que uma deterioração adicional na qualidade do crédito soberano poderia exercer pressão de rebaixamento nesses setores de infraestrutura. “Um rebaixamento poderia ser induzido se a Moody’s perceber uma deterioração no nível de suporte, consistência e previsibilidade do arcabouço regulatório do País e/ou Estados. Uma interferência política adicional no curso normal dos negócios das companhias também seria considerada um gatilho para rebaixamento”.

    Essas consequências precisam ser mensuradas quando muitas vezes alguns segmentos de transporte saem em campo com a estridência e a ingenuidade de diretórios acadêmicos, defendendo a quebra dos contratos de concessões já em execução e a introdução, unilateral, de alterações nos novos estudos em andamento.

    Há, sim, um enorme espaço para negociações que conduzem a tarifas muito menores do que as praticadas hoje, como já se viu acima. Mas, principalmente num momento tão delicado quanto este que vivemos, isso não se obtém com atitudes de valentia barata, mas com sutileza e inteligência. Quem precisa atrair investimentos (e nós precisamos, dramaticamente, como já vimos) não pode ficar fazendo cara feia e ameaças aos possíveis parceiros.

    No capítulo anterior, disse que esta seria a 3ª e última parte deste artigo. Enganei-me. O espaço acabou, e a matéria ainda não. Há um aspecto fundamental que ainda precisa ser melhor examinado. Aguardem, pois – agora sim –, a 4ª e última parte, na próxima semana. Até lá.

    01/09/2015

    Concessões, PPPs e o futuro – 4ª Parte

    Nos capítulos anteriores, já vimos que o Brasil não escapará de promover fortíssimos investimentos em infraestrutura e que estes terão de ser feitos pela iniciativa privada, sob a forma de concessões ou PPPs, tendo em vista a absoluta impossibilidade de realizá-los com recursos públicos. Este momento de crise econômica e política não é o ideal, claro, para atrair investimentos de grande porte para contratos de longo prazo de duração. Mas é este o desafio a superar. Ou fazemos isso, logo, ou prolongaremos esse momento triste, de governança medíocre, de crescimento negativo, e adiaremos indefinidamente a virada desta “página infeliz da nossa história”…

    Para atrair esses investimentos, é preciso oferecer um marco regulatório seguro e agências reguladoras profissionalizadas, de modo a garantir que os contratos serão respeitados, de parte a parte. Além disso, é preciso desenvolver uma modelagem que conduza a uma remuneração que seja, ao mesmo tempo, atraente para o investidor e suportável pelos usuários. Na 3ª parte deste artigo, elencamos diversas soluções, já identificadas, que permitem fazer a mágica de garantir a modicidade tarifária sem comprometimento da exequibilidade do contrato. É preciso desenvolver uma forte atuação política em favor daquelas soluções.

    Como já mencionado, sem ter outra saída, o Governo foi obrigado a abdicar dos preconceitos ideológicos, que tanto atrasaram a retomada do caminho sem volta das concessões e das PPPs em geral. É preciso, agora, superar a reação emocional de parcelas da sociedade, inclusive no setor de transportes, que tendem a ver a cobrança de pedágio não como contraprestação de investimentos e prestação de serviços relevantes, mas como uma espécie de sinecura. Este sentimento difuso e equivocado, por óbvio, não contribui para a criação de um ambiente propício às concessões e PPPs. E colabora para aumentar a sensação de risco do negócio, o que conspira contra a desejada modicidade tarifária.

    Não obstante, é preciso reconhecer que as concessões mais antigas – e as do Estado de São Paulo, em especial – têm tarifas de pedágio muito elevadas, fruto de processos licitatórios feitos às pressas, com pouco know how específico e, certamente, com outros vícios que em nosso país sempre comprometeram certames desta natureza. Elas precisam passar por uma rediscussão – que, aliás, tem sido feita – em torno das diversas alternativas de redução já mencionadas anteriormente, sem comprometer a incolumidade contratual. O certo é que esta redução acabará ocorrendo, na pior hipótese, no vencimento dos contratos, como já se verificou, de forma eloquente, na recente licitação para renovação da concessão da ponte Rio-Niterói, que resultou num pedágio quase 30% menor do que o praticado anteriormente. A tendência é que isso venha a ocorrer na renovação de todas as concessões mais antigas, nos próximos anos. Os contratos mais novos não têm o mesmo problema porque já começaram com tarifas sensivelmente mais baixas.

    Tudo isso aponta para uma nova fase, que já está no horizonte, em que praticamente toda a infraestrutura logística do país será operada pela iniciativa privada. Nos trechos de menor densidade de tráfego, em que eventualmente a receita de pedágio seja insuficiente, aí entrariam as PPPs, com o poder público provendo parte dos recursos (para os investimentos, por exemplo), ou mesmo as chamadas “concessões administrativas”, no modelo do CREMA, usado pelo DNIT, em que empreiteiras menores se responsabilizam pela manutenção de trechos rodoviários, mediante remuneração pré-ajustada, proveniente dos cofres públicos, e não do pedágio.

    A qualidade da infraestrutura sob administração privada é inegavelmente superior àquela sob controle do poder público. As pesquisas rodoviárias realizadas pela CNT vêm demonstrando isso, ano a ano. Na pesquisa de 2014, por exemplo, dos 25 melhores trechos de todo o país, 23 são concedidos à iniciativa privada. No extremo oposto, os piores trechos estão todos sob gestão pública.

    Isso se deve, evidentemente, à insegurança das fontes de custeio, à falta de continuidade das políticas e à escassez crônica de recursos.

    Ainda há poucos meses, o DNIT teve suspensos todos os seus contratos de manutenção de rodovias, pelo sistema CREMA, porque as empreiteiras, que já vinham suportando vários atrasos de pagamento, solicitaram um reajuste extraordinário, por conta do grande salto ocorrido no preço do asfalto (como dos demais derivados de petróleo). O DNIT considerou justo o pleito e o aprovou. Mas foi obrigado a voltar atrás, logo em seguida, porque o TCU considerou que não estava suficientemente justificado o reajuste.

    Não entro no mérito. Não sei se estavam certos os empreiteiros, o DNIT ou o TCU. Interessa-me o resultado: uma vez mais, durante meses, toda a manutenção de rodovias sob gestão federal ficou paralisada. Salvo engano, este problema ainda não foi totalmente resolvido.

    Fatos como este acontecem o tempo todo, no plano federal e nos estados. É como se o sistema fosse concebido para não funcionar. Essa situação de insegurança, de indefinição de responsabilidades, de stop and go engendra o quadro com que nos deparamos há décadas: estradas mal conservadas, mal sinalizadas, com obras de arte e pavimentos degradados. E não há quem possa dar jeito nisso, porque o problema não é de pessoas, nem mesmo de comando. A gestão pública, pelas suas características e limitações, é que não se coaduna com as exigências de serviços dessa natureza.

    Já quando a solução adotada é a transferência da gestão para a iniciativa privada, sob a forma de concessão – o que pressupõe um contrato, direitos e obrigações recíprocas e acompanhamento permanente por um órgão regulador que deve agir na defesa do contrato e dos usuários –, temos um quadro diametralmente oposto ao anterior, desde que a licitação seja feita segundo uma modelagem criteriosa e de modo a ensejar disputa genuína entre empresas interessadas.

    A empresa concessionária será sempre e obrigatoriamente uma SPE (sociedade de propósito específico). Não poderá se ocupar de qualquer outra atividade que não seja a gestão do trecho que lhe cabe explorar. Os recursos provenientes do pedágio serão destinados exclusivamente a isso. Seu quadro de pessoal se tornará especialista em cada quilômetro da via, conhecerá cada curva, cada ponte, cada viaduto. Se uma placa de sinalização foi roubada (e elas são roubadas ou destruídas o tempo inteiro), no dia seguinte outra já estará no lugar. Se uma pequena trinca se abre no asfalto, ela é imediatamente selada para evitar que cresça e vire uma cratera. Carros de socorro mecânico e de socorro médico chegam para atender a qualquer ocorrência em prazos de minutos. Câmeras de vídeo são espalhadas por todo o trecho, de modo que a estrada seja monitorada 24 por dia, a partir dos respectivos centros de controle operacional.

    Esses são alguns poucos exemplos da eficiência da gestão privada, que o poder público, pela sua própria natureza, jamais poderá igualar.

    Depois de ter acompanhado de perto diversas concessões, com variados níveis de qualidade, posso assegurar que o desempenho da pior delas será sempre muito superior ao do melhor órgão rodoviário público, sem qualquer demérito para o corpo técnico deste. Impossível comparar ambientes e condições tão desiguais.

    Esse é o nome do jogo: se queremos rodovias de primeiro mundo nas grandes ligações e, nos demais casos, estradas decentes, seguras, que garantam fluidez ao trânsito e conforto aos motoristas, devemos caminhar para, tanto quanto possível, generalizar a sua delegação para a iniciativa privada, através de suas diversas formas: concessão, PPP ou concessão administrativa.

    Além de todos as vantagens já destacadas, um modelo com essas características dispensaria a existência de Ministério, Departamentos, Secretarias etc. Uma Agência reguladora forte para cada modalidade e um Conselho de Intermodalidade (o CONIT que está previsto em lei e nunca funcionou) seriam suficientes para que a logística brasileira cumprisse o seu papel, com mais eficiência e segurança, e a um custo muito menor para toda a sociedade, do que a parafernália de órgãos que hoje se superpõem numa estrutura tão onerosa quanto ineficiente. Em tempos de reforma administrativa e de corte de gastos públicos, só isso já justificaria caminhar nessa direção.

    Nessa perspectiva, é urgente que alguns segmentos de transporte, particularmente nas regiões Sul e Centro-Oeste, revejam e superem o discurso emocional que trazem sempre na ponta da língua para desancar o pedágio. Isso não faz nenhum sentido. Quem declara ódio visceral a pedágio está manifestando, implicitamente, amor incondicional a imposto. As infraestruturas de transporte ou são financiadas por quem as usa (via pedágio), ou são bancadas pela sociedade, através dos impostos gerais. Não há outra alternativa.

    Já vivi o suficiente para saber o que é melhor. No primeiro caso, você sabe de quem reclamar e onde reclamar, é capaz de perceber a relação custo/benefício e ainda pode repassar o custo no preço e ficar só com o benefício. No segundo, você amarra o dinheiro no rabo do gato e vai reclamar com o bispo. Fica com o custo do imposto, o custo da estrada ruim (que mal se consegue dimensionar, quanto mais repassar) e nenhum benefício.

    Portanto, o que me parece é que o operador de transporte tem de focar a sua luta na melhoria das condições das concessões em geral, na sua generalização e no uso de todas as alternativas já referidas anteriormente, que resultem em tarifas tão módicas quanto possível e, ao mesmo tempo, deve iniciar uma grande discussão a respeito da carga tributária incidente sobre a atividade.

    Quando se deu a criação do sistema de concessões, há quase 20 anos, já havia uma estrutura tributária (ICMS sobre transporte, ICMS sobre combustíveis, CIDE, IPVA etc.), supostamente destinada a cobrir os custos e as demandas da atividade de transporte por serviços públicos. Esta estrutura permaneceu intacta e até cresceu, passando a conviver com as novas tarifas de pedágio. Um ajuste é necessário, mas pelo lado dos tributos e sem inviabilizar os recursos vinculados gerados pelo pedágio, porque são esses os únicos que podem garantir a qualidade, a manutenção e a modernização paulatina e constante da nossa infraestrutura de transporte.

    Chego, assim, ao fim dessa longa digressão, em quatro capítulos, a que dei o título de “Concessões, PPPs e o futuro”. Alguém poderá indagar se o “futuro” não entrou nessa história como “Pilatos no Credo”. De modo algum. Tratou-se aqui exatamente de oferecer a perspectiva de um país mais moderno e competitivo para as gerações futuras. Um país cuja infraestrutura logística não seja um fator limitador das suas possibilidades de desenvolvimento econômico e social.

    Além disso, a opção pelas concessões e pelas parcerias público-privadas só será possível porque o futuro acena com um novo tempo, que nascerá das cinzas desse momento triste que vivemos. Licitações fraudadas e arranjadas, que sempre foram regra entre nós, tendem a se tornar acontecimentos excepcionalíssimos.

    Será o tempo do compliance quando, finalmente, as pessoas, físicas e jurídicas, descobrirão que é muito mais vantagem cumprir estritamente a lei. O custo e os riscos da inconformidade serão tão altos (aliás, já são hoje), que optar pelo cumprimento da lei será um gesto de inteligência, para não dizer, de esperteza.

    Mas este é o tema do próximo artigo.

  • É tempo de compliance

    08/09/2015

    O grande impacto da “Operação Lava Jato” decorre do fato de, pela primeira vez, estar sendo aplicada, em todos os seus aspectos, uma legislação recente, aprovada no calor das grandes manifestações públicas de junho de 2013 e como resposta a elas. Refiro-me às Leis 12.846, de 01/08/13, e 12.850, de 02/08/13. A primeira, também conhecida como Lei Anticorrupção, e a segunda, que regulamentou de modo mais amplo o instituto da colaboração premiada.

    É importante salientar que a colaboração (ou delação) premiada – inspirada na legislação italiana – já vinha sendo incorporada ao direito positivo brasileiro, ainda que de modo tímido e incompleto, desde a década de 90, através de diversos diplomas legais, como, por exemplo, as Leis 8.072/90, crimes hediondos; 8.137/90, crimes contra o sistema financeiro; 9.613/98, combate à lavagem de dinheiro; 9.807/99, proteção a testemunhas; 11.343/06, colaboração premiada especificamente para crimes de tráfico de drogas; 12.529/11, acordo de leniência para crimes contra a ordem econômica.

    A despeito de todos esses importantes precedentes, o certo é que foi a Lei 12.850/13 que acabou por regulamentar e sistematizar todo o procedimento da delação, que se revela imprescindível à desarticulação de qualquer organização criminosa. Não por acaso, a lei fundamental da máfia siciliana sempre foi a omertá, ou lei do silêncio, cujo descumprimento era punido, invariavelmente, com a morte. Daí o mérito excepcional do magistrado italiano Giovanni Falcone, que conduziu a famosa “Operação Mãos Limpas”. Levar um criminoso a delatar seus comparsas é tarefa muito difícil em qualquer parte do mundo; fazer isso na Itália dos anos 90, completamente infiltrada e dominada pela máfia, foi realmente um ato de coragem, uma façanha inspiradora.

    Voltando ao Brasil da segunda década do século XXI, a Lei Anticorrupção é outro instrumento valiosíssimo, que só agora começa a mostrar todo o seu potencial. Ela expõe as pessoas jurídicas a punições pesadíssimas, caso participem em ações de corrupção de agentes públicos, independentemente da responsabilidade civil e criminal das pessoas físicas de seus dirigentes. Entre outras sanções altamente desestimuladoras da prática dos ilícitos que visa combater, aquela lei prevê multas que podem chegar a 20% do faturamento bruto da empresa no ano anterior. Oferece, em contrapartida, a possibilidade de “acordos de leniência”, que podem amenizar as punições, desde que as empresas envolvidas confessem seus atos de corrupção e colaborem com as investigações. Mecanismo inteligente, já que, na maior parte dos casos, acaba sendo o único caminho para que a empresa não feche as portas e, por envolver a confissão de culpa, torna efetiva e rápida a punição, evitando a eternização da discussão judicial.

    Na verdade, tanto a delação premiada como os acordos de leniência são novidades mesmo para a maioria das grandes bancas de advocacia do país. Acompanhando de longe o que se passa em Curitiba e no STF, fico com a impressão de que magistrados e promotores estão sempre um passo à frente dos advogados, que parecem ainda atônitos e pouco à vontade com as consequências práticas daquelas inovações, que, além do mais, reduzem o espaço para manobras processuais e recursos protelatórios.

    Pior que tudo para os advogados, por conta do sigilo necessário que cerca a maior parte desses procedimentos, é que os defensores ficam “no escuro” por um longo tempo, sem saber exatamente do quê os seus clientes são acusados, o que ensejará, com certeza, alegações de cerceamento de defesa, que poderão eventualmente invalidar todo o processo, ou partes dele.

    Sob este aspecto, aliás, é importante que a corda não seja esticada além do razoável para que o tiro não saia pela culatra. É verdade que estamos vivendo tempos novos e promissores no combate à corrupção, mas ainda somos – e queremos continuar a ser – um Estado de Direito, o que pressupõe o respeito às garantias constitucionais do direito de defesa e do devido processo legal.

    E é preciso que seja assim, para que a “Operação Lava Jato”, além de chegar ao fim como processo, impondo as punições devidas a todos os culpados, possa cumprir o papel civilizatório que dela se espera, inaugurando uma nova etapa da nossa vida republicana, em que a administração pública, o parlamento, os partidos políticos e a atividade empresarial possam cumprir suas finalidades, respeitando seus espaços e limites de atuação, para que não se contaminem reciprocamente. E para que o jogo político, de um lado, e o jogo do mercado, de outro, possam se dar com absoluto respeito às regras postas, em ambientes decentes, limpos, em que seja impossível o contubérnio entre o público e o privado.

    Como visto, os marcos legais para tanto já existem. Os processos resultantes da “Operação Lava Jato” oferecerão uma nova geração de precedentes jurisprudenciais que iluminarão o caminho dos operadores do Direito e, com certeza, dos empresários, principalmente daqueles que fazem negócios com o Estado, mas não apenas o deles.

    Na verdade, como sabemos, a corrupção não é algo que existe apenas nas relações com o Estado, mas também nas relações entre agentes privados. Infelizmente, o mundo dos negócios, salvo honrosas exceções, também não vive sob o império da ética. Apesar das dificuldades crescentes impostas pela legislação e pelos tratados internacionais, que visam impedir a lavagem de dinheiro, o “caixa 2” e outros subterfúgios, o certo é que ainda há muita propina e muito pagamento “por fora” nas relações entre particulares. E a vítima, nesses casos, não é apenas o fisco, mas o próprio mercado, na medida em que tudo isso resulta, em última análise, em concorrência desleal.

    Não dá para acabar com a corrupção envolvendo o setor público sem acabar com a corrupção que envolve, desde sempre, o setor privado; as grandes e também as pequenas malandragens que parecem entranhadas na alma nacional. Tia Zulmira, personagem do imortal Stanislaw Ponte Preta, tinha uma máxima que de certa forma explicita isso: “instaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”. Como a moralidade nunca foi de fato instaurada entre nós – desde pequenos nos acostumamos a conviver com as transgressões do dia a dia, praticadas impunemente por gente dita de bem – isso acaba funcionando como uma espécie de senha para que todos tentem se dar bem das mais variadas maneiras.

    Há, no ar, uma indisfarçável esperança de que este processo que visa apurar os desvios de grande monta acontecidos na Petrobras – envolvendo políticos importantes, alguns dos maiores empresários do país, doleiros, operadores e executivos da estatal – acabe sendo o marco da instauração da moralidade, na medida em que decrete o fim da impunidade. Tudo indica que, pela primeira vez na história do nosso país, a lei vai valer para todos. E, no Brasil, isso não é pouca coisa.

    Voltando à Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), é muito significativo o que consta do seu art. 7º, inciso VIII, ao dispor que: “Serão levados em consideração na aplicação das sanções: (…) a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.

    Em outras palavras, o legislador está indicando o caminho às empresas que operam em setores sensíveis, em que, eventualmente, possam ser apanhadas em situações de não conformidade, sujeitando-as às draconianas penalidades previstas no conjunto de leis que hoje tornam muito perigoso o caminho da esperteza. Ele está dizendo, em outras palavras: criem os seus mecanismos de compliance e os coloquem para funcionar de fato. Isso será levado em conta na hora de distinguir entre bandidos contumazes e uma empresa decente que, eventualmente, cometeu um erro.

    Trata-se de prestigiar o compliance, como requisito para que o acionista e o executivo de qualquer empresa possam dormir tranquilos, ao sinalizarem para toda a organização e para o mercado que há ali um compromisso de cumprimento integral da legislação de todos os países em que operem.

    A vida fora deste ambiente limpo e seguro vai ficando cada vez mais difícil e perigosa para o empresário. É nisso que aposto hoje; que este momento difícil e turbulento que atravessamos seja realmente uma travessia no rumo de um novo tempo – tempo de compliance – em que, como já disse em outro artigo, as pessoas físicas e jurídicas descobrirão que é muito mais vantagem cumprir a lei, porque os custos e os riscos da inconformidade vão se tornando tão elevados, que optar pelo cumprimento da lei representará, antes de tudo, um gesto de inteligência.

  • ANTT adia vigência da Resolução nº 4.799/15

    15/09/2015

    O recadastramento no RNTRC chama a atenção pelas inovações que traz, mas é bom ficar de olho em outros aspectos daquela Resolução, como o Manifesto Eletrônico (MDF-e), que, além de documento fiscal, passou a ser também documento obrigatório de transporte. E deve ser a chave para a atuação fiscalizadora da ANTT.

    Através de ato publicado no Diário Oficial da União de 11 de setembro último, a Agência Nacional de Transportes Terrestres alterou dois artigos da Resolução nº 4.799, de 27/07/15, que dispõe sobre procedimentos para inscrição e manutenção no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTRC, e dá outras providências.

    O primeiro dispositivo alterado foi o art. 41, que determinava que os transportadores rodoviários remunerados de carga (empresas de transporte – ETCs; transportadores autônomos – TACs e cooperativas de transporte de cargas – CTCs) deveriam se apresentar, a partir de 28 de setembro próximo, perante as entidades conveniadas com a ANTT para se adequarem aos termos daquela Resolução. A nova redação determina que essa apresentação, para fins de cadastramento ou recadastramento no RNTRC, se dê “conforme cronograma a ser divulgado pela ANTT”.

    Tudo indica que haverá um escalonamento para inclusão de frota, que levará em conta o final da placa dos veículos, como forma de evitar atropelos ao processo e, também, para propiciar um fluxo de caixa mais confortável para os transportadores que possuam muitos veículos, já que todos deverão adquirir um par de etiquetas adesivas para identificação visual de cada equipamento (automotor ou tracionado), além de um dispositivo de identificação eletrônica (tag) para cada veículo automotor. O que a Agência ainda não definiu é como será esse cronograma, o que deverá ser resolvido e divulgado nos próximos dias.

    A outra alteração foi a do art. 43. O prazo de vigência da Resolução, que era de 45 dias, passou a ser de 90. Portanto, as suas disposições que já deveriam estar vigendo desde ontem (2ª feira, 14/09), agora somente entrarão em vigor no próximo dia 28 de outubro. Isso se aplica aos demais dispositivos daquela Resolução, uma vez que os referentes ao recadastramento serão objeto do escalonamento acima referido.

    Entre essas outras disposições, que passam a vigorar a partir de 28/10/15, chama especial atenção – pelo salto tecnológico que representa e pelas mudanças que poderá produzir no ambiente do TRC – o Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e) que, de documento fiscal regulado pelo Ajuste SINIEF nº 21/2010, foi erigido à condição de documento obrigatório à realização do transporte (art. 22 da Resolução nº 4.799/15), podendo atender também ao previsto no art. 744 do Código Civil Brasileiro. O Documento Auxiliar do MDF-e (DAMDFE), impresso em papel sulfite comum, deverá acompanhar fisicamente a carga durante toda a viagem (porte obrigatório).

    Nos casos em que a legislação fiscal vede a emissão de MDF-e (que tendem a ser cada vez mais restritos), será, ainda assim, obrigatória a emissão de outro documento que caracterize a operação de transporte (conhecimento ou contrato de transporte). Quando isso acontecer, o Documento Auxiliar do conhecimento ou o instrumento de contrato será também de porte obrigatório. Vale destacar que o emitente do documento fiscal eletrônico (MDF-e ou CT-e) deverá autorizar a ANTT a ter acesso ao conteúdo digital do documento, mediante preenchimento do CNPJ da Agência em campo próprio. Essas novas obrigações estão enunciadas nos parágrafos 1º a 4º do referido art. 22.

    Embora o MDF-e, como documento fiscal, já seja obrigatório em todo o país e não represente mais nenhuma novidade para as empresas de transporte minimamente organizadas, tenho sérias dúvidas de que todas as ETCs e também os transportadores de carga própria – TCPs (sujeitos igualmente à emissão do MDF-e) estejam realmente preparados para o cumprimento dessa nova exigência. Os que não estiverem, devem se preparar nos próximos 45 dias, já que é muito pouco provável que a ANTT promova outro adiamento. É bom lembrar que a multa por não portar documento obrigatório ou portar documento em desacordo com o regulamentado é de R$ 550,00 por ocorrência. E há várias outras hipóteses de penalidades pecuniárias bem mais pesadas.

    Está muito claro que será principalmente através do MDF-e (ou do CT-e, quando substituir aquele) que a ANTT irá fiscalizar o cumprimento de diversos aspectos da legislação do TRC que atualmente vêm sendo solenemente ignorados pela maior parte do mercado. Uma fiscalização forte e eficaz é fundamental para eliminar a concorrência desleal que se estabelece entre os que cumprem e os que não cumprem as exigências legais. De fato, no art. 23 da Resolução, estão elencadas as informações que deverão constar do documento que caracteriza a operação de transporte. Entre muitas outras, lá estão o valor do Vale-Pedágio obrigatório (inciso IX), a identificação da seguradora, o número da apólice e das averbações (inciso X) e o CIOT (inciso XIII).

    Há ainda o compromisso de fazer cumprir os prazos máximos de retenção dos veículos para carga e descarga (arts. 31, §§ 3º a 7º), inclusive com a inversão do ônus da prova, obrigando o “embarcador e o destinatário da carga a fornecer ao transportador documento hábil a comprovar os horários de chegada e saída do veículo automotor de carga nas dependências dos respectivos estabelecimentos”. (art. 32 e parágrafos).

    Se juntarmos a isso a possibilidade de uma fiscalização eletrônica, impessoal e expedita, com a utilização dos tags a serem implantados nos veículos e das antenas de leitura que serão instaladas pela Agência, em pontos-chaves da malha rodoviária brasileira, a vida realmente vai ficar muito difícil para quem não quiser andar direito.

    É possível que, em pouco tempo, se tudo caminhar conforme o previsto e se a ANTT realmente se estruturar para cumprir o seu papel regulador e fiscalizador, o TRC deixe de ser o reino da informalidade e passe a ser uma das atividades mais controladas do nosso país; com tudo que isso possa ter de positivo – afinal, o setor sempre reivindicou mais regramento e controle – e de negativo, porque a perspectiva de uma fiscalização implacável também é preocupante e só será suportável se for conduzida com equilíbrio, impessoalidade, objetividade e elevado senso ético, que é o que se espera daquela Agência.

     

    Mas ao fim e ao cabo, se este novo tempo produzir um setor mais organizado, com mais segurança jurídica e menos informalidade, todos teremos muito a ganhar – os operadores de transporte, os clientes e a sociedade em geral –, mesmo que, para chegar lá, tenhamos de enfrentar algumas turbulências. Esta sempre foi a aposta das várias gerações de dirigentes que têm conduzido as entidades de classe do setor, notadamente nesses últimos 52 anos de existência da NTC. Está chegando a hora de conferir os resultados…

  • Uma data muito especial

    22/09/2015

    No último dia 17 de setembro, “Dia Nacional do Transportador Rodoviário de Cargas”, a nossa NTC&Logística completou 52 anos de existência. Há quem pense que isso é coincidência. Não é. Trata-se, isso sim, de uma justa homenagem. O “Dia Nacional do Transportador Rodoviário de Cargas” foi criado por Decreto de 9/7/93, do então presidente da República Itamar Franco, reverenciando a data de fundação da NTC, ocorrida em 17 de setembro de 1963.

    Há muito simbolismo neste gesto. É claro que a existência do Transporte Rodoviário de Cargas em nosso país antecede, em muito, a criação daquela entidade nacional. Tanto que há alguns sindicatos da categoria muito mais antigos que a NTC. Mas esses sindicatos eram, na sua origem, manifestações locais, reunindo os ancestrais dos atuais transportadores. Em alguns casos, como o de Santos, eram carroceiros, identificados, gentilmente, como “proprietários de veículos de carga”. Fenômeno parecido ocorreu no Rio de Janeiro. Em ambos os casos, o polo aglutinador da atividade era o porto. Estou falando dos anos 20 e 30 do século passado. Em grande parte, as cargas para exportação e importação chegavam ao porto e partiam dele através de ferrovias ou mesmo da navegação de cabotagem. Veículos pequenos, de tração animal ou não, faziam apenas o transporte local, no caso do Rio, ou no máximo até São Paulo, no caso do porto de Santos.

    Já durante a 2ª Guerra Mundial há notícias do surgimento de algumas empresas de transporte, operando caminhões importados, que começavam a dar “tiros” mais longos, enfrentando o lamaçal das estradas de então, que eram pouco mais que adaptações, ligeiramente melhoradas, das antigas trilhas dos tropeiros. O DNER e o Fundo Rodoviário Nacional, responsáveis pela implantação da nossa malha rodoviária básica, foram criados em 1937 e 1945, respectivamente.

    A atividade desses pioneiros do transporte rodoviário, propriamente dito, acabou recebendo um impulso inesperado pela ação dos submarinos alemães que passaram a atacar e afundar navios mercantes na costa brasileira, tornando a navegação de cabotagem muito insegura. De uma hora para outra, uma grande quantidade de cargas teve de passar a ser transportada por terra para as diversas regiões do país. Como as ferrovias eram limitadas a alguns eixos mais importantes, só caminhões poderiam dar conta do novo desafio. Começaram a surgir as primeiras empresas de transporte de longa distância. Mas, registre-se, eram poucas as empresas, muito pequena a frota de caminhões, e as distâncias não eram tão longas assim…

    Após o final da Grande Guerra, o Brasil viveu momentos turbulentos, com o fim da ditadura Vargas, a democratização trazida pela Constituição de 46, os governos Dutra e Getúlio, o suicídio de Vargas em 1954, as interinidades de Café Filho (vice-presidente) e Carlos Luz (presidente da Câmara), apeados do poder em poucos dias, e de Nereu Ramos (presidente do Senado). Este conseguiu completar o período presidencial e passar o comando do país ao presidente eleito em 1955, Juscelino Kubitschek, que governou até 1961.

    O governo JK foi dos mais tranquilos do ponto de vista político – apesar de alguns focos de conspiração militar, logo debelados pela habilidade do presidente – e extremamente progressista no plano econômico.

    Uma das características desse período foi a industrialização acelerada, inclusive com a implantação do polo automobilístico, a transferência da capital para Brasília e a construção de novas rodovias que preparavam o país para tomar conta efetivamente do seu vasto território e para estender as fronteiras agrícolas para o centro-oeste e o norte, o que acabou se concretizando algumas décadas depois.

    Com este pano de fundo, o transporte rodoviário de cargas deu também grandes saltos. Empresas de transporte surgidas durante a Guerra cresceram, outras se constituíram e passaram a cortar o território nacional em todas as direções.

    Em 1958, no Rio de Janeiro, alguns desses empresários começam a conversar sobre os inúmeros problemas enfrentados por aqueles que se aventuravam numa atividade econômica que ainda mal se delineava, que não tinha regras claras e que não oferecia a menor segurança jurídica a seus operadores.

    As primeiras conversas entre Orlando Monteiro e Edgar Fazenda – dois dos principais empresários do setor da época – giravam em torno da necessidade de uma melhor definição da responsabilidade civil do transportador por danos causados a carga e a terceiros, de um seguro que oferecesse alguma tranquilidade aos transportadores e de uma tabela referencial de fretes, que pudesse orientar minimamente o mercado. Pouco tempo depois, se juntaria a eles o empresário Wander Soares, que teve também grande importância nesses primeiros tempos de organização do setor.

    Cargas de alto valor agregado passavam a fazer parte do dia a dia da atividade, o que exigia cuidados extraordinários para garantir a incolumidade e integridade delas. Sem que ninguém os ensinasse, aqueles pioneiros foram aprendendo a fazer “gerenciamento de risco”, muito antes de esta expressão ser inventada. Por causa disso, saltava aos olhos a necessidade de um componente do frete que variasse de acordo o valor da mercadoria transportada e o tempo em que ela ficava sob a responsabilidade do transportador.

    Começava a surgir o “ad valorem”, mais tarde rebatizado de “frete valor”, a ser cobrado juntamente com o “frete peso”, que variava de acordo com o peso da carga e a distância a ser percorrida por ela. Na verdade, esboçavam-se, nessas conversas de fim de tarde, na empresa de um ou de outro, os conceitos que mais tarde, já sob a coordenação da NTC, estruturariam o “sistema tarifário do TRC”.

    Aos poucos, outros empresários iam sendo procurados para se integrar àquele grupo informal de discussões. Não tardou a surgir a ideia de um grande encontro de todas as empresas que, na ocasião, tinham alguma expressão no mercado de transporte dos diversos tipos de carga. E assim nasceu o 1º Congresso Nacional do TRC, realizado em 1960, em São Paulo, por aquele grupo que era, originalmente, carioca e fluminense, mas que já começava a demonstrar a sua vocação para agregar transportadores de todas as regiões, uma vez que eram, eles próprios, empresários que estendiam as suas operações para regiões cada vez mais distantes e não se sentiam submetidos aos limites das unidades federativas.

    Eles eram, cada vez mais, empresários de atuação nacional ou, no mínimo, interestadual. Valorizavam as poucas entidades locais existentes e atuantes, como os Sindicatos de São Paulo e do Rio de Janeiro, SETCESP e SINDICARGA, este o mais antigo do Brasil, fundado em 1933. Mas percebiam que, se eles podiam enfrentar muito bem as questões locais ou regionais, não davam conta dos inúmeros problemas de caráter nacional, que exigiam uma entidade com igual abrangência de atuação.

    Uma evidência de que aquele núcleo de idealistas não pretendia hostilizar os poucos sindicatos então existentes, nem era hostilizado por eles, é que o 1º Congresso, de 1960 teve todo o apoio do SETCESP. E dele resultaram várias propostas, relacionadas aos temas já referidos anteriormente. Uma, em especial, iria mudar a história do setor em nosso país: a de que fosse criada, com a possível urgência, uma entidade nacional que pudesse aglutinar o TRC em todo o país e se incumbir da execução da alentada pauta resultante daquele conclave.

    Não foi tarefa fácil. Exceto por aquele pequeno grupo do Rio de Janeiro e pelos que já frequentavam os sindicatos, os empresários do setor, em regra, não se conheciam nem queriam se conhecer. O mercado era tão selvagem, eram tantas as histórias de disputas ferozes pelos clientes, que reunir aqueles competidores em torno de alguns objetivos comuns era tarefa que exigia muita paciência e diplomacia.

    Havia também a questão regional. Brasília tinha sido inaugurada recentemente. Alguns defendiam que a sede da nova entidade deveria ser na nova Capital; outros naturalmente queriam que ela fosse no Rio de Janeiro, onde tudo havia começado; outros ainda, realisticamente, optavam por sediá-la em São Paulo, principal mercado de origem e destino das cargas e onde se concentrava também a maioria das empresas.

    Prevaleceu, finalmente, esta última corrente, com o que, superadas também outras questões menores, chegou-se, em 17 de setembro de 1963, à constituição formal da então denominada “Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga”, que também se identificava pela improvável sigla “NTC” (e não ANTC, como seria óbvio). Nunca consegui ter uma explicação cabal para isso, mas há várias hipóteses interessantes, sobre as quais espero poder me estender em outra oportunidade.

    A escolha do primeiro presidente foi natural, tendo recaído na pessoa de Orlando Monteiro, que, na prática, já vinha conduzindo toda a movimentação do setor em âmbito nacional, a partir daquelas primeiras conversas no Rio, em 1958.

    O que aconteceu a partir da fundação e do início de funcionamento efetivo da NTC é coisa que não se pode relatar num modesto artigo como este. Tenho esperança de um dia poder escrever esta história ou, pelo menos, descrever os seus “melhores momentos”, com direito ao relato de detalhes interessantíssimos dessa epopeia.

    Nesta oportunidade, o que me moveu foi apenas justificar o fato de o “Dia Nacional do Transportador Rodoviário de Cargas” ser comemorado em 17 de setembro, em homenagem à data de fundação da NTC.

    Como vimos, o transporte rodoviário de cargas, obviamente, já existia antes da NTC. Já existia a atividade econômica; já existiam muitas empresas que se dedicavam a ela; já existiam até algumas (poucas) entidades que a representavam em certas cidades ou regiões. O que nasceu com a NTC, a justificar aquela homenagem, foi a descoberta, pelos próprios empresários, do sentido e da importância do que faziam; foi o reconhecimento de pertencer a um setor, em âmbito nacional; foi o começo de uma sucessão de avanços extraordinários, que nós mesmos nos esquecemos de comemorar com a ênfase merecida.

     

    Achei que era minha obrigação fazer este relato, não só porque tenho percebido que, nos últimos anos, esta data vem sendo cada vez menos festejada, como também para lembrar a alguns grupos ou segmentos de transporte que, de vez em quando, acordam de seu sono letárgico e resolvem reinventar a roda, que a nossa roda já foi inventada há 52 anos. E que, se ainda falta muito coisa a ser resolvida (e realmente falta, a despeito do muito que já se fez), certamente não será criando estruturas paralelas e duplicando custos e esforços, que se vai acelerar o encontro daquelas soluções.

     

    Ao contrário, isso é de um primarismo desalentador, porque, além de enfraquecer o setor, gera cacofonia na sua interlocução com os poderes constituídos e atrasa a solução dos seus problemas.