04/08/2015
Um excelente trabalho desenvolvido pela Confederação Nacional do Transporte, o “Plano CNT de Transporte e Logística 2014” (5ª edição), faz um diagnóstico objetivo e certeiro, quando diz: “Uma significativa parcela da infraestrutura de transporte, em todas as modalidades, encontra-se obsoleta, inadequada ou ainda por construir. Algumas delas operam no limite ou mesmo acima da sua capacidade, enquanto outras carecem de manutenção” (…) “essa situação representa um entrave ao crescimento do país e gera reflexos negativos, como aumento do tempo de viagens, maior custo operacional, aumento do número de acidentes e dos níveis de emissão de poluentes”.
Impossível discordar disso. É o retrato em preto e branco do nosso país. Temos um teto baixo que nos achata e nos impede de voos mais altos. Sempre que ameaçamos crescer um pouco mais, a nossa infraestrutura raquítica entra em colapso e nos faz lembrar que não podemos nos dar a este luxo.
Quem não se recorda do que aconteceu principalmente no segundo mandato de Lula? O PIB cresceu 6% em 2007, 5% em 2008 e 7,6% em 2010 (só em 2009 não apresentou crescimento, em função da crise que se originou da bolha imobiliária norte-americana). Bastaram três anos bons para passarmos a conviver com um verdadeiro inferno. Aeroportos e terminais rodoviários abarrotados, cidades e estradas parando, trânsito caótico em terra, no ar e no mar, filas de caminhões nos portos, a ponto de um então ministro manifestar a sua torcida por um crescimento menor. Suprema ironia.
Mas, de repente, aquela sensação de fim de mundo arrefeceu. Por quê? Corrigimos os problemas? Não, exceto por algumas ações e intervenções localizadas. Estou convencido de que as coisas apenas se acomodaram em um patamar mais suportável porque o país voltou à triste rotina das taxas medíocres de crescimento, a comprovar a tese de que as notórias deficiências de infraestrutura representam, sim, um poderoso entrave ao nosso desenvolvimento.
Mas aquele estudo da CNT não se limita ao diagnóstico. Num esforço técnico extraordinário e numa contribuição valiosíssima ao planejamento de transportes em nosso país, identificou, detalhou e quantificou 2.045 projetos prioritários de infraestrutura de transporte, de todos os modais, nas áreas de cargas e de passageiros. Dividem-se em projetos de integração nacional e urbanos. Os primeiros incluem ações ao longo de 9 eixos estruturantes multimodais. Os segundos são projetos de transporte público em 18 regiões metropolitanas (para saber mais, sugiro consulta ao site da entidade: www.cnt.org.br .
E quanto custaria eliminar o nosso atraso logístico, colocando a infraestrutura do país em linha com as suas inegáveis potencialidades? O “Plano CNT de Transportes e Logística” traz a resposta, numa estimativa conservadora e supondo propina zero, em tempos de “Lava Jato”: a bagatela de R$ 987 bilhões, quase 20% do PIB!
Não dá para ter ilusões: com as atuais restrições orçamentárias, contando apenas com recursos públicos, não teríamos condições de enfrentar este desafio nem nos próximos 30 ou 40 anos, mesmo que tivéssemos a inédita sorte de eleger uma sequência de governos extraordinariamente competentes, com padrões escandinavos de eficiência e moralidade administrativas. Acontece que as obras listadas como prioritárias são para ontem; já deveriam estar concluídas e servindo à população. Como não estão, o mínimo que se espera é que elas sejam iniciadas e fiquem prontas no menor prazo possível.
Ora, como se sabe, o setor público, no Brasil (por suas deficiências gerenciais crônicas, que não se limitam ao multissecular problema da corrupção), está com sua capacidade de investimento reduzida a uma insignificância, quando comparada à imensidão das nossas carências. União, estados e municípios, com raríssimas exceções, têm as suas receitas quase totalmente comprometidas com o pagamento de pessoal, ativo e inativo; despesas compulsórias (vinculações constitucionais) e pagamento de juros e/ou amortização de dívidas. Sobra quase nada para novos investimentos.
Por outro lado, não há condições econômicas e políticas para aumentar a carga tributária. A irresponsabilidade fiscal pode representar até perda de mandato. Já não se pode reproduzir a mágica do endividamento ilimitado, realizada durante décadas por gestores de todas as origens e ideologias, inclusive durante o ciclo militar, o que representa um avanço formidável, porque atesta o nosso amadurecimento. De fato, aprendemos que é uma covardia inominável passarmos a conta da nossa incompetência para aqueles que não podem se defender nem manifestar a sua opinião, porque ainda sequer nasceram. Uma nação só se torna realmente adulta quando descobre, finalmente, que ela não pode ser reduzida à geração que está no comando, mas que é constituída também pela inspiração dos seus antepassados e pelo sagrado respeito às gerações futuras.
Portanto, temos duas opções claras: ou abdicamos de ter um país plenamente desenvolvido (o que também seria um crime hediondo contra o futuro), ou tratamos de viabilizar aqueles enormes investimentos com recursos privados.
Se é assim (e estou convencido de que é), precisamos deixar de lado as idiossincrasias e tratar de lidar com isso com racionalidade. Os pontos fundamentais a serem resolvidos são: como atrair grupos privados, nacionais ou estrangeiros e colocá-los a competir para construir e/ou operar cada um dos mais de 2.000 projetos identificados no estudo já referido? Como garantir que a remuneração seja atrativa o suficiente para despertar o “instinto animal” dos competidores (em jogo limpo, sem as maracutaias de bastidores) e, não obstante, resulte em tarifas módicas para os usuários? Como assegurar que aqueles operem com a máxima eficiência e na perspectiva do interesse público, sem prejuízo de terem direito ao lucro justo, assim entendido o que resulte do estrito cumprimento do contrato?
As concessões e as parcerias público-privadas podem oferecer respostas para todas essas questões. Não estamos condenados a repetir os erros que marcaram muitas das experiências que tivemos até aqui, tanto no plano federal, como em vários estados. Já há consensos estabelecidos, novas tecnologias e a necessária massa crítica para darmos um salto de qualidade nesses instrumentos, como espero conseguir demonstrar na continuação deste artigo.
(continua)
11/08/2015
Concessões, PPPs e o Futuro – 2ª Parte
Na primeira parte deste artigo, procurei demonstrar como são importantes os investimentos em infraestrutura para que o Brasil possa experimentar um ciclo longo de crescimento econômico e de desenvolvimento social, já que as nossas carências nessa área acabam funcionando como um teto, a limitar até mesmo os “voos de galinha” que às vezes temos dado. Demonstrei também que esses investimentos são vultosos e inadiáveis, e que eles precisam ser feitos num momento em que os recursos públicos são insuficientes para atender prioridades, ainda mais sensíveis, como saúde, educação, segurança pública, saneamento básico etc.
Não foi por outro motivo, aliás, que praticamente toda a segunda fase do Programa de Investimento em Logística – PIL, lançada pelo Governo Federal em 9 de junho último, foi concebido para ser executada pela iniciativa privada, em regime de concessão.
São inúmeras intervenções em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, que totalizam quase R$ 200 bilhões (20% do total identificado pelo “Plano CNT de Transporte e Logística – 2014”), a serem realizados no período de 2015 a 2018. Esta foi, aliás, uma extraordinária evolução para um Governo que tinha sérias dificuldades de aceitar esse tipo de parceria. É muito instrutivo, aliás, ouvir o que disseram, na ocasião, a presidente Dilma e os ministros Levy e Nelson Barbosa em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/06/nova-fase-de-programa-preve-r-1984-bilhoes-para-infraestrutura.html.
Trata-se de uma manifestação de realismo político e do abandono de velhos clichês ideológicos, forçada, é verdade, pela necessidade dramática de recuperar o nível de investimento, diante das crises gêmeas – econômica e política –, que têm matrizes diferentes, mas se retroalimentam e são diariamente agravadas pelas revelações da Operação Lava Jato. A Petrobras e as grandes empreiteiras viram-se na contingência de frear abruptamente seus investimentos. Consta que essa paralisia atinge mais ou menos 1/3 dos investimentos públicos e privados no país.
Ora, um forte programa de obras de infraestrutura, além da função precípua de eliminar os gargalos que impedem o crescimento do país, tem nítido caráter anticíclico, gerando novos empregos e encomendas em larga escala, animando a economia e, neste momento, ajudando também a salvar algumas das maiores empreiteiras do país. Para quem se escandalizar com esta minha última afirmação, vou logo avisando que não compactuo com qualquer forma de impunidade. O combate sem tréguas à corrupção é fundamental e corresponde a um justo anseio nacional. Mas não se pode perder de vista o princípio universal de que a pena não deve ultrapassar a pessoa do criminoso. Assim, a punição, absolutamente necessária, dos eventuais culpados entre os gestores das empresas envolvidas no “Petrolão”, bem como a de seus parceiros (ou comparsas) do setor público – e mesmo as penas aplicáveis às próprias empresas, nos termos da recente “Lei Anticorrupção” –, não devem chegar ao extremo de inviabilizá-las.
Além do mais, o Brasil não pode abrir mão do know how e da capacidade técnica acumulada por essas organizações, que estão entre as maiores e melhores do mundo em construção pesada e em grandes obras públicas. Se acontecer a desarticulação e, no limite, a dissolução delas, desaparecerão milhares de empregos de qualidade e perderemos a capacidade de tocar, simultaneamente, as centenas de obras que compõem o PIL, já referido.
Em entrevista recente, o presidente do BRADESCO, Luiz Trabuco, diz que uma retomada de crescimento somente deverá ocorrer a partir de meados do próximo ano e “será puxada pelos investimentos em infraestrutura” (Folha de São Paulo, 8/8/15, pág. A-19). Ver mais em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/08/1666207-para-presidente-do-bradesco-crise-e-grave-e-solucao-exige-grandeza.shtml. Se o prognóstico dele estiver certo – e acho que está –, o eventual naufrágio do PIL, tragado pelo tsunami da Lava Jato, representaria, além de tudo, a perda da nossa “bala de prata”.
Vejo algumas pessoas, com a visão turvada pela radicalização do debate político, torcendo para que isso aconteça, porque supõem que este seja apenas mais um fator de desgaste para o Governo. Na verdade, se o agravamento do quadro político e o consequente clima de insegurança para os negócios não nos permitir avançar e ampliar consideravelmente o programa de concessões e parcerias público-privadas – na linha do previsto no PIL e, a longo prazo, na extensão preconizada pelo “Plano CNT de Transporte e Logística” – isso será um enorme problema para o país como um todo. Pior do que perder o grau de investimento será perder o status de nação emergente; e de sermos melancolicamente devolvidos à condição de país subdesenvolvido.
Para além da questão política, há ainda a tendência profundamente equivocada, a meu ver, inclusive entre empresários, de demonizar a concessão de obras e serviços públicos, chegando mesmo à defesa de quebra de contratos, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Tratarei dessas e de outras questões, ainda muito mal discutidas e compreendidas entre nós, na terceira e última parte deste artigo.
(continua)
25/08/2015
45 anos no transporte de cargas! | Concessões, PPPs e o Futuro – 3ª Parte
45 anos!
Escrevo na 2ª feira, 24 de agosto, data de eventos sinistros para a história do Brasil, mas que tem um significado muito especial para mim. Ela marca o dia em que, há exatos 45 anos (1970), entrei pela primeira vez numa empresa de transporte e, portanto, no setor do qual nunca mais saí.
Foi naquele mesmo dia que também conheci Thiers Fattori Costa, a quem devo o impulso inicial e o permanente incentivo para quase tudo o que acabei podendo realizar no setor de transporte. Thiers foi um ser humano extraordinário e uma grande líder. Mas, para mim, foi acima de tudo um amigo, uma espécie de irmão mais velho, que só fez me ajudar e me dar bons exemplos. Quando tento reconstituir esses 45 anos de vida profissional, a figura mais frequente nas minhas lembranças é exatamente a dele, com seu sorriso largo, o seu otimismo, a sua energia contagiante.
Depois, ao longo de todos esses anos, acabei fazendo, claro, outros grandes amigos. Alguns também já se foram. Com outros, felizmente, ainda convivo e aprendo todos os dias. Gostaria de poder citar o nome de cada um; mas não devo; qualquer omissão seria imperdoável. Por isso, ao deixar a todos a minha mais sincera e comovida homenagem, peço que me permitam fazê-lo, simbolicamente, na pessoa do Thiers, por ter sido ele o primeiro e o que mais andou ao meu lado nessa longa caminhada.
Concessões, PPPs e o futuro – 3ª Parte
Nos dois capítulos anteriores deste artigo, procurei demonstrar que o Brasil só voltará a sustentar um ciclo longo de crescimento se fizer pesadíssimos investimentos em infraestrutura logística, para romper os gargalos que temos nesta área e, ao mesmo tempo, para “puxar” o processo de retomada do nosso desenvolvimento econômico e social. Nenhuma novidade. Foi assim que o presidente Franklin D. Roosevelt tirou os EUA da Grande Depressão, na década de 30, com o seu New Deal, baseado no pensamento do Lord Keynes (John Maynard Keynes, inglês, reconhecido como o maior economista do século XX).
O estado da arte nesta matéria foi dado pelo “Plano CNT de Transporte e Logística”, que definiu 2.045 projetos prioritários em todo o país, a um custo total de quase R$ 1 trilhão, ou 20% do PIB. Dentre estes, o “Programa de Investimentos em Logística (PIL)”, do Governo Federal, lançado em 9 de junho último, prioriza uma parte, a ser realizada de 2015 a 2018, a um custo aproximado de 20% daquele ou cerca de 4% do PIB.
Que não há recursos públicos disponíveis para tocar um programa dessa envergadura já era fato sabido por quantos têm estudado a matéria em nosso país. A novidade é isso ser reconhecido pelo Governo. De fato, superando velhas travas ideológicas, o PIL foi todo ele estruturado a partir do pressuposto de que as obras serão realizadas pela iniciativa privada, em regime de concessão.
Menos mal. Ultrapassamos um falso dilema, o que nos permite agora enfrentar alguns problemas que são verdadeiros e concretíssimos: 1) transformar esses planos em projetos, inclusive projetos executivos, para que possam ser dimensionados em termos de custos e, assim, licitados; 2) estruturar e realizar processos licitatórios que não ensejem contestações; 3) atrair o interesse do maior número possível de grupos privados, nacionais e estrangeiros, para que a disputa seja aguerrida e dela resultem as melhores condições para os usuários; 4) recuperar a capacidade de financiamento dos bancos públicos, BNDES à frente.
Nada disso é simples. Os quadros do setor público, que são tão inchados onde não interessa, revelam-se escassos para desenvolver ações como essas, que exigem conhecimentos técnicos específicos. Há ainda as complicações inevitáveis decorrentes do licenciamento ambiental e da atuação institucional dos órgãos de controle. Nada contra, desde que tudo seja feito com critério e pertinência, realmente em defesa do interesse público e do bem comum, sem paranoia, preconceitos e ruídos desnecessários.
Quanto ao financiamento, público e privado, inclusive à captação de recursos através do mercado de capitais, não se pode desprezar os óbices representados pelas crises econômica e política, que reduzem a massa de recursos disponíveis e, sobretudo, tornam empreendedores e investidores muito mais ariscos e menos propensos ao risco, senão cobrando spreads cada vez mais elevados.
Por outro lado, é preciso reconhecer que – ao contrário do que acontecia há cerca de 20 anos, quando começamos timidamente a realizar as primeiras concessões – temos hoje uma experiência acumulada bastante significativa; sabemos o que fazer e, sobretudo, o que não fazer nessa matéria. Temos também uma legislação razoável (que sempre pode ser aperfeiçoada) e órgãos reguladores que apresentam um grau de profissionalização bem maior do que tinham no início, o que os torna aptos a desenvolverem novas modelagens de editais e de contratos, de modo a garantir que os interesses difusos da sociedade prevaleçam sobre os interesses concentrados dos operadores.
Além disso, os órgãos de controle, tais como o TCU, CGU e o Ministério Público, este atuando com grande independência, vão tornando cada vez mais difícil a vida de quem, eventualmente, tente se desviar do bom caminho. Os grandes usuários, como os transportadores rodoviários de carga, também aprenderam a se relacionar com concessionárias e agências reguladoras, cobrando respeito aos contratos e estrita observância de suas cláusulas.
Sou testemunha disso, pela atuação que iniciei quando presidi a NTC, criando os Grupos Paritários de Trabalho com a participação de transportadores, concessionárias e órgãos do Governo. Aprendemos muito sobre concessões. E as concessionárias aprenderam sobre transporte. O nosso relacionamento passou a ser muito mais respeitoso e proativo.
Por fim, os desdobramentos da “Operação Lava Jato” tendem a criar um ambiente de maior respeito à lei por parte dos grandes grupos que costumam acorrer a esses certames licitatórios, inibindo a cartelização e outras práticas que conspiram contra os interesses dos usuários no tocante, principalmente, à modicidade tarifária.
Por falar nisso, uma das coisas que aprendemos é que há uma enorme margem para se reduzir as tarifas de pedágio, mesmo dos contratos já celebrados, sem provocar desequilíbrios econômicos e financeiros nos mesmos. Da mesma maneira – e com maior facilidade –, será possível obter-se tarifas muito mais módicas para os usuários nas novas concessões, desde que atendidos alguns pressupostos, tais como:
fim das outorgas onerosas;
licitações sempre pela menor tarifa, com pré-qualificação técnica e econômica dos licitantes;
desoneração tributária dos contratos de concessão;
cobrança eletrônica, por quilômetro efetivamente utilizado;
universalização da cobrança, eliminando-se toda e qualquer gratuidade;
moderação na exigência de obras de duplicação, terceiras faixas, dispositivos de acesso, retorno ou contorno, passarelas etc., a serem custeadas pela tarifa;
distribuição das obras ao longo de todo o prazo de contrato (ao invés de concentrá-las no início dele), sempre que a realidade de cada rodovia o permita, de modo a aliviar o fluxo de caixa e, por consequência, a tarifa.
Observados esses pressupostos, as tarifas de pedágio que hoje são praticadas entre nós poderiam sofrer reduções superiores a 50%, sem perda de qualidade dos serviços, sem desequilibrar contratos e sem reduzir a atratividade do negócio nas futuras concessões. Basta ter um mínimo de coragem política e de capacidade gerencial.
O que, entretanto, é mortal, afugentando competidores e inviabilizando as concessões e qualquer outra forma de parceria entre investidores privados e o poder público, é a insegurança jurídica decorrente do desrespeito dos contratos por parte do poder público, para atender aos reclamos por menor tarifa ou para tentar arrancar do concessionário mais do que ficou ajustado por ocasião da licitação e da celebração do contrato.
Não estou entre os maiores admiradores das agências de avaliação de risco, que vivem “tomando bolas no meio das pernas”, como aconteceu em muitas situações, inclusive no episódio da “bolha imobiliária” norte-americana, em que algumas dessas agências mantiveram o grau de investimentos de fundos lastreados em títulos e créditos “podres”, como ficou evidente quando a bolha estourou.
Acho um absurdo que a política econômica de um país do tamanho do Brasil seja condicionada pelo medo de levar nota baixa dessas agências. Mas elas são um dado da realidade atual dos mercados globais. Por preguiça de ir à luta, investigar e tirar suas próprias conclusões – e também para diluir suas responsabilidades em face de eventuais fracassos –, executivos financeiros do mundo inteiro (com a possível exceção de China e Rússia) fiam-se na palavra desses escritórios de rating, como se fossem dogmas, para investir vultosos recursos de terceiros num país ou numa empresa.
Digo isso para destacar uma passagem do relatório da Moody’s, uma dessas agências, que recentemente rebaixou a nota do crédito soberano do Brasil e, por conta disso, rebaixou também a de algumas grandes empresas operadoras de infraestrutura, entre outras companhias, exatamente por serem concessionárias de serviços públicos e por estarem, assim, sujeitas aos humores inconstantes de agentes governamentais, sobretudo num momento de crise econômica e turbulência política.
Afirma a Moody’s, com todas as letras, que uma deterioração adicional na qualidade do crédito soberano poderia exercer pressão de rebaixamento nesses setores de infraestrutura. “Um rebaixamento poderia ser induzido se a Moody’s perceber uma deterioração no nível de suporte, consistência e previsibilidade do arcabouço regulatório do País e/ou Estados. Uma interferência política adicional no curso normal dos negócios das companhias também seria considerada um gatilho para rebaixamento”.
Essas consequências precisam ser mensuradas quando muitas vezes alguns segmentos de transporte saem em campo com a estridência e a ingenuidade de diretórios acadêmicos, defendendo a quebra dos contratos de concessões já em execução e a introdução, unilateral, de alterações nos novos estudos em andamento.
Há, sim, um enorme espaço para negociações que conduzem a tarifas muito menores do que as praticadas hoje, como já se viu acima. Mas, principalmente num momento tão delicado quanto este que vivemos, isso não se obtém com atitudes de valentia barata, mas com sutileza e inteligência. Quem precisa atrair investimentos (e nós precisamos, dramaticamente, como já vimos) não pode ficar fazendo cara feia e ameaças aos possíveis parceiros.
No capítulo anterior, disse que esta seria a 3ª e última parte deste artigo. Enganei-me. O espaço acabou, e a matéria ainda não. Há um aspecto fundamental que ainda precisa ser melhor examinado. Aguardem, pois – agora sim –, a 4ª e última parte, na próxima semana. Até lá.
01/09/2015
Concessões, PPPs e o futuro – 4ª Parte
Nos capítulos anteriores, já vimos que o Brasil não escapará de promover fortíssimos investimentos em infraestrutura e que estes terão de ser feitos pela iniciativa privada, sob a forma de concessões ou PPPs, tendo em vista a absoluta impossibilidade de realizá-los com recursos públicos. Este momento de crise econômica e política não é o ideal, claro, para atrair investimentos de grande porte para contratos de longo prazo de duração. Mas é este o desafio a superar. Ou fazemos isso, logo, ou prolongaremos esse momento triste, de governança medíocre, de crescimento negativo, e adiaremos indefinidamente a virada desta “página infeliz da nossa história”…
Para atrair esses investimentos, é preciso oferecer um marco regulatório seguro e agências reguladoras profissionalizadas, de modo a garantir que os contratos serão respeitados, de parte a parte. Além disso, é preciso desenvolver uma modelagem que conduza a uma remuneração que seja, ao mesmo tempo, atraente para o investidor e suportável pelos usuários. Na 3ª parte deste artigo, elencamos diversas soluções, já identificadas, que permitem fazer a mágica de garantir a modicidade tarifária sem comprometimento da exequibilidade do contrato. É preciso desenvolver uma forte atuação política em favor daquelas soluções.
Como já mencionado, sem ter outra saída, o Governo foi obrigado a abdicar dos preconceitos ideológicos, que tanto atrasaram a retomada do caminho sem volta das concessões e das PPPs em geral. É preciso, agora, superar a reação emocional de parcelas da sociedade, inclusive no setor de transportes, que tendem a ver a cobrança de pedágio não como contraprestação de investimentos e prestação de serviços relevantes, mas como uma espécie de sinecura. Este sentimento difuso e equivocado, por óbvio, não contribui para a criação de um ambiente propício às concessões e PPPs. E colabora para aumentar a sensação de risco do negócio, o que conspira contra a desejada modicidade tarifária.
Não obstante, é preciso reconhecer que as concessões mais antigas – e as do Estado de São Paulo, em especial – têm tarifas de pedágio muito elevadas, fruto de processos licitatórios feitos às pressas, com pouco know how específico e, certamente, com outros vícios que em nosso país sempre comprometeram certames desta natureza. Elas precisam passar por uma rediscussão – que, aliás, tem sido feita – em torno das diversas alternativas de redução já mencionadas anteriormente, sem comprometer a incolumidade contratual. O certo é que esta redução acabará ocorrendo, na pior hipótese, no vencimento dos contratos, como já se verificou, de forma eloquente, na recente licitação para renovação da concessão da ponte Rio-Niterói, que resultou num pedágio quase 30% menor do que o praticado anteriormente. A tendência é que isso venha a ocorrer na renovação de todas as concessões mais antigas, nos próximos anos. Os contratos mais novos não têm o mesmo problema porque já começaram com tarifas sensivelmente mais baixas.
Tudo isso aponta para uma nova fase, que já está no horizonte, em que praticamente toda a infraestrutura logística do país será operada pela iniciativa privada. Nos trechos de menor densidade de tráfego, em que eventualmente a receita de pedágio seja insuficiente, aí entrariam as PPPs, com o poder público provendo parte dos recursos (para os investimentos, por exemplo), ou mesmo as chamadas “concessões administrativas”, no modelo do CREMA, usado pelo DNIT, em que empreiteiras menores se responsabilizam pela manutenção de trechos rodoviários, mediante remuneração pré-ajustada, proveniente dos cofres públicos, e não do pedágio.
A qualidade da infraestrutura sob administração privada é inegavelmente superior àquela sob controle do poder público. As pesquisas rodoviárias realizadas pela CNT vêm demonstrando isso, ano a ano. Na pesquisa de 2014, por exemplo, dos 25 melhores trechos de todo o país, 23 são concedidos à iniciativa privada. No extremo oposto, os piores trechos estão todos sob gestão pública.
Isso se deve, evidentemente, à insegurança das fontes de custeio, à falta de continuidade das políticas e à escassez crônica de recursos.
Ainda há poucos meses, o DNIT teve suspensos todos os seus contratos de manutenção de rodovias, pelo sistema CREMA, porque as empreiteiras, que já vinham suportando vários atrasos de pagamento, solicitaram um reajuste extraordinário, por conta do grande salto ocorrido no preço do asfalto (como dos demais derivados de petróleo). O DNIT considerou justo o pleito e o aprovou. Mas foi obrigado a voltar atrás, logo em seguida, porque o TCU considerou que não estava suficientemente justificado o reajuste.
Não entro no mérito. Não sei se estavam certos os empreiteiros, o DNIT ou o TCU. Interessa-me o resultado: uma vez mais, durante meses, toda a manutenção de rodovias sob gestão federal ficou paralisada. Salvo engano, este problema ainda não foi totalmente resolvido.
Fatos como este acontecem o tempo todo, no plano federal e nos estados. É como se o sistema fosse concebido para não funcionar. Essa situação de insegurança, de indefinição de responsabilidades, de stop and go engendra o quadro com que nos deparamos há décadas: estradas mal conservadas, mal sinalizadas, com obras de arte e pavimentos degradados. E não há quem possa dar jeito nisso, porque o problema não é de pessoas, nem mesmo de comando. A gestão pública, pelas suas características e limitações, é que não se coaduna com as exigências de serviços dessa natureza.
Já quando a solução adotada é a transferência da gestão para a iniciativa privada, sob a forma de concessão – o que pressupõe um contrato, direitos e obrigações recíprocas e acompanhamento permanente por um órgão regulador que deve agir na defesa do contrato e dos usuários –, temos um quadro diametralmente oposto ao anterior, desde que a licitação seja feita segundo uma modelagem criteriosa e de modo a ensejar disputa genuína entre empresas interessadas.
A empresa concessionária será sempre e obrigatoriamente uma SPE (sociedade de propósito específico). Não poderá se ocupar de qualquer outra atividade que não seja a gestão do trecho que lhe cabe explorar. Os recursos provenientes do pedágio serão destinados exclusivamente a isso. Seu quadro de pessoal se tornará especialista em cada quilômetro da via, conhecerá cada curva, cada ponte, cada viaduto. Se uma placa de sinalização foi roubada (e elas são roubadas ou destruídas o tempo inteiro), no dia seguinte outra já estará no lugar. Se uma pequena trinca se abre no asfalto, ela é imediatamente selada para evitar que cresça e vire uma cratera. Carros de socorro mecânico e de socorro médico chegam para atender a qualquer ocorrência em prazos de minutos. Câmeras de vídeo são espalhadas por todo o trecho, de modo que a estrada seja monitorada 24 por dia, a partir dos respectivos centros de controle operacional.
Esses são alguns poucos exemplos da eficiência da gestão privada, que o poder público, pela sua própria natureza, jamais poderá igualar.
Depois de ter acompanhado de perto diversas concessões, com variados níveis de qualidade, posso assegurar que o desempenho da pior delas será sempre muito superior ao do melhor órgão rodoviário público, sem qualquer demérito para o corpo técnico deste. Impossível comparar ambientes e condições tão desiguais.
Esse é o nome do jogo: se queremos rodovias de primeiro mundo nas grandes ligações e, nos demais casos, estradas decentes, seguras, que garantam fluidez ao trânsito e conforto aos motoristas, devemos caminhar para, tanto quanto possível, generalizar a sua delegação para a iniciativa privada, através de suas diversas formas: concessão, PPP ou concessão administrativa.
Além de todos as vantagens já destacadas, um modelo com essas características dispensaria a existência de Ministério, Departamentos, Secretarias etc. Uma Agência reguladora forte para cada modalidade e um Conselho de Intermodalidade (o CONIT que está previsto em lei e nunca funcionou) seriam suficientes para que a logística brasileira cumprisse o seu papel, com mais eficiência e segurança, e a um custo muito menor para toda a sociedade, do que a parafernália de órgãos que hoje se superpõem numa estrutura tão onerosa quanto ineficiente. Em tempos de reforma administrativa e de corte de gastos públicos, só isso já justificaria caminhar nessa direção.
Nessa perspectiva, é urgente que alguns segmentos de transporte, particularmente nas regiões Sul e Centro-Oeste, revejam e superem o discurso emocional que trazem sempre na ponta da língua para desancar o pedágio. Isso não faz nenhum sentido. Quem declara ódio visceral a pedágio está manifestando, implicitamente, amor incondicional a imposto. As infraestruturas de transporte ou são financiadas por quem as usa (via pedágio), ou são bancadas pela sociedade, através dos impostos gerais. Não há outra alternativa.
Já vivi o suficiente para saber o que é melhor. No primeiro caso, você sabe de quem reclamar e onde reclamar, é capaz de perceber a relação custo/benefício e ainda pode repassar o custo no preço e ficar só com o benefício. No segundo, você amarra o dinheiro no rabo do gato e vai reclamar com o bispo. Fica com o custo do imposto, o custo da estrada ruim (que mal se consegue dimensionar, quanto mais repassar) e nenhum benefício.
Portanto, o que me parece é que o operador de transporte tem de focar a sua luta na melhoria das condições das concessões em geral, na sua generalização e no uso de todas as alternativas já referidas anteriormente, que resultem em tarifas tão módicas quanto possível e, ao mesmo tempo, deve iniciar uma grande discussão a respeito da carga tributária incidente sobre a atividade.
Quando se deu a criação do sistema de concessões, há quase 20 anos, já havia uma estrutura tributária (ICMS sobre transporte, ICMS sobre combustíveis, CIDE, IPVA etc.), supostamente destinada a cobrir os custos e as demandas da atividade de transporte por serviços públicos. Esta estrutura permaneceu intacta e até cresceu, passando a conviver com as novas tarifas de pedágio. Um ajuste é necessário, mas pelo lado dos tributos e sem inviabilizar os recursos vinculados gerados pelo pedágio, porque são esses os únicos que podem garantir a qualidade, a manutenção e a modernização paulatina e constante da nossa infraestrutura de transporte.
Chego, assim, ao fim dessa longa digressão, em quatro capítulos, a que dei o título de “Concessões, PPPs e o futuro”. Alguém poderá indagar se o “futuro” não entrou nessa história como “Pilatos no Credo”. De modo algum. Tratou-se aqui exatamente de oferecer a perspectiva de um país mais moderno e competitivo para as gerações futuras. Um país cuja infraestrutura logística não seja um fator limitador das suas possibilidades de desenvolvimento econômico e social.
Além disso, a opção pelas concessões e pelas parcerias público-privadas só será possível porque o futuro acena com um novo tempo, que nascerá das cinzas desse momento triste que vivemos. Licitações fraudadas e arranjadas, que sempre foram regra entre nós, tendem a se tornar acontecimentos excepcionalíssimos.
Será o tempo do compliance quando, finalmente, as pessoas, físicas e jurídicas, descobrirão que é muito mais vantagem cumprir estritamente a lei. O custo e os riscos da inconformidade serão tão altos (aliás, já são hoje), que optar pelo cumprimento da lei será um gesto de inteligência, para não dizer, de esperteza.
Mas este é o tema do próximo artigo.