Da Agência Senado
CCJ debate a reforma tributária em audiência pública – Foto: Roque de Sá/Agência Senado›
O impacto da proposta de reforma tributária no setor de serviços, com a previsão de uma alíquota do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) entre 25,45% e 27%, foi uma das principais preocupações levantadas por especialistas, representantes da atividade e senadores. Durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), eles reforçaram a importância de se avançar em um texto que foque na simplificação e que não aumente a carga tributária no país.
Já aprovada na Câmara dos Deputados, a previsão é que a matéria (PEC 45/2019), relatada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), seja votada na CCJ em outubro.
O texto propõe a extinção de cinco impostos, entre eles o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), e a criação de dois tributos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será destinado a estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que ficará a cargo da União.
Um dos pontos criticados por representantes do setor de serviços é a indicação de elevação da carga tributária e outros efeitos negativos para o segmento. Em alguns cálculos, o setor projeta, conforme a proposta, uma elevação total de até 180%.
O procurador da Procuradoria Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Gustavo Antônio Silva Bichara, acredita que, apesar de a iniciativa propor melhorias e simplificar todo o sistema, o texto pode ser ajustado. Ele pediu uma discussão madura para tratar de forma especial a oferta de serviços essenciais para o cidadão, com o objetivo de não promover um aumento “cavalar” de tributação e acabar ocasionando a desorganização das sociedades.
Ele disse entender a tese do secretário que comanda a Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária, Bernard Appy, de que a tributação de serviços deve ser aumentada e nivelada à de atividades comerciais para que ela não seja indutiva de uma opção de consumo. Mas não defende essa aplicação a atividades essenciais.
— Acontece que alguns serviços não são tomados de acordo com a vontade do contribuinte. Por exemplo, ninguém acorda de manhã e diz: vou processar o meu vizinho só porque é barato o tributo do advogado. Ninguém contrata um advogado, um médico, um contador porque tem vontade, contrata por necessidade. Então esses serviços têm que ter um olhar diferenciado. Não são serviços que deveriam se submeter a uma tributação como vários outros […]. Hoje, a tributação de um escritório de advocacia que esteja no lucro presumido, em tributação sobre o consumo, que é o que estamos hoje aqui a falar, é de 3,65%. Se aprovada a PEC nos termos em que está, vai para alguma coisa em torno de 27%, 28%. Um aumento brutal — avaliou.
Atualmente, o setor de serviços está submetido à aplicação do PIS/Cofins (impostos federais), mediante a aplicação do regime cumulativo e de alíquota aglutinada de 3,65%. Também incide, no setor, a cobrança cumulativa do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) – de origem estadual – com alíquotas entre 2% e 5%.
Para o senador Carlos Portinho (PL-RJ), a proposta deve seguir o princípio básico da simplificação e da redução da carga tributária, visando conceder estímulos aos setores que realmente são essenciais e que geram empregos.
— A gente tem que ter uma lógica, dentro de tantas exceções pedidas, de quais realmente fazem sentido ou não. Eu tenho me conduzido por dois princípios: segmentos do serviço e produtos do comércio que sejam essenciais. O que é essencialidade? Óbvio que todas as concessões públicas, por exemplo, são essenciais. A conta de luz vai impactar no consumidor, na indústria, na geração de emprego — defendeu Portinho.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) manifestou-se na mesma linha e mostrou preocupação com o texto atual.
— Qual é o objetivo da reforma? Simplificação. Nos próximos 10 anos, haverá uma complicação. O que você vai fazer? O sistema atual, que já é ‘complexo pra caramba’, que é exatamente, talvez, o motivo de uma reforma, e mais tudo aquilo que está sendo criado. Nos próximos 10 anos vai ficar nisso. Então, não vejo simplificação.
Emenda do emprego
O consultor tributário da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) Gilberto Alvarenga defendeu a sugestão de alteração no projeto para que as empresas que empregam maior quantidade de trabalhadores tenham desconto no IVA. Para ele, a medida atuaria como forma de compensar o custo da folha de pagamento com a alíquota efetiva desse imposto.
— Essas empresas teriam um fator de redução da alíquota do IVA e, a partir disso, seria possível uma equalização dos custos de folha versus uma redução da alíquota efetiva do IVA. Isso, em simulações que fizemos, a indústria tem menos de 10% de custo de folha. O comércio chega a aproximadamente 20%, o serviço tem em média 45%, mas algumas atividades chegam a 80% ou 70% e são atividade de alta empregabilidade. Impossível uma empresa que tem 80% no custo de folha competir com uma não cumulatividade e não ter, não sofrer uma redução substancial da carga tributária num sistema proposto como o não cumulativo.
Já para o presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese, além de uma redução da alíquota do IVA, o setor busca também o apoio integral do Congresso Nacional para a desoneração da folha de pagamento. Ele defendeu que o projeto sobre o tema, em tramitação no Senado, alcance todos os setores e não somente os 17 previstos no texto. Ele alertou para o fato de que, mesmo com a desoneração da folha, algumas atividades ainda vão registrar alta carga tributária, caso a alíquota do IVA prevista nos estudos do Ministério da Fazenda se confirme.
— O setor de tecnologia da informação, que é um setor importante, vai ter um aumento da carga tributária de 125%, considerando-se a desoneração da folha de pagamento que está em tramitação no Congresso — exemplificou.
Simples Nacional
O gerente da Unidade de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Carlito Merss, que chegou a participar de três comissões para elaboração de uma proposta de reforma tributária, argumentou que não se pode pensar em uma reforma tributária sem colocar como foco a manutenção do Simples Nacional, responsável, segundo ele, por 99% dos empregos brasileiros, mais de 54 milhões de ocupações.
Estudos elaborados pela própria entidade indicam, conforme Merss, que, se os incentivos a esses pequenos e médios empreendimentos não continuarem, 29% dos optantes do Simples fecharão suas portas, enquanto 20% passarão para a informalidade e 18% reduzirão suas atividades.
Por outro lado, para o consultor legislativo do Senado Federal e pesquisador do Insper Marcos Mendes, a proposta de reforma já traz muitas alíquotas diferenciadas para setores diferentes. Para ele, esses incentivos trazem uma série de problemas, como o desequilíbrio no direcionamento dos investimentos pelos investidores e o impacto na geração de postos de trabalho.
— O emprego que você vai gerar no setor incentivado, ou com menos impostos, é o emprego que você está matando no outro setor que vai ter que pagar mais caro para pagar a conta. E no fim, todo mundo, ou a grande maioria, perde.
Educação e saúde
O texto da reforma tributária aprovado pelos deputados prevê alíquota reduzida do IVA em 60% para alguns bens e serviços da economia. Estão dentro dessa regra os serviços de educação e saúde. Enquanto o presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Breno de Figueiredo Monteiro, elogiou a proposta e disse que o segmento defende a manutenção do conteúdo aprovado na Câmara dos Deputados, o representante da Associação Brasileira da Educação Básica Privada (Abreduc) saiu em defesa da alíquota zero para o setor educacional. Ele ponderou que a atividade não se enquadra em uma relação de consumo, e sim, de investimento para obter impacto positivo na economia e na área social do país a longo prazo.
— Partindo de uma alíquota conservadora de 27,5%, que é o que se vem estimando pelos estudos do Ministério da Fazenda, a gente teria uma redução de 60%, que resultaria em 11% sobre a educação. Se nós pegarmos os 10 principais países que estão entre os primeiros colocados do Pisa [programa internacional que avalia e compara o desempenho de estudantes na faixa dos 15 anos, quando se estima que concluíram a escolaridade básica], veremos que eles não tributam ou tributam numa alíquota em torno de 6% — ressaltou.
Imposto Seletivo
A matéria aprovada na Câmara prevê a criação de um novo tributo, o Imposto Seletivo, que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Segundo a PEC 45/2019, o objetivo da medida é desestimular o seu consumo.
O presidente da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (UNECS), João Carlos Galassi, criticou esse dispositivo. Para ele, a criação do Imposto Seletivo poderia ser substituída por uma “alíquota majorada do IBS ou da CBS” de forma geral. No entanto, essa sugestão foi criticada pelo relator, senador Eduardo Braga, e pelo coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde e representante da Reforma Tributária 3S, Marcello Baird. Além de defender a medida como mecanismo importante para acompanhar o compromisso nacional pelo desenvolvimento sustentável, Braga alertou que o valor arrecadado por esse tributo irá diretamente para o financiamento dos estados e dos municípios, e dos fundos constitucionais.
— O Imposto Seletivo, 65% dele vão exatamente para FPE [Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal]; FPM [Fundo de Participação dos Municípios]; FNE [Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste]; FNO [Fundo Constitucional de Financiamento do Norte] e o Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste. Com uma diferença de que o IPI era regulado por decreto, e o Imposto Seletivo será regulado por lei. Ou seja, nós estamos dando um degrau a mais com relação ao IPI. Se isso vai ser suficiente ou não, é claro que o Congresso vai decidir, mas eu só estou chamando atenção que o Imposto Seletivo tem uma função extrafiscal — detalhou.