Em entrevista exclusiva, o ministro dos Transportes fala sobre a importância de se investir em infraestrutura e superar gargalos

Por Gustavo T. Falleiros – CNT

14/03/2023 – 17h24

O ministro dos Transportes, Renan Filho, começa sua gestão sob o peso de gargalos históricos da infraestrutura de transporte do país. Estamos falando de “rodovias da morte”, investimento público insuficiente ao longo de anos e baixa execução dos recursos existentes.

 

Em contrapartida, para reverter esse quadro, a pasta terá R$ 18,8 bilhões de dotação orçamentária, valor quatro vezes maior do que o previsto inicialmente e alcançado graças ao direcionamento de aportes discricionários – movimento que contou com o apoio institucional do Sistema CNT.

 

“Ter mais recursos, no entanto, não significa muito se não houver boa gestão para executar esse investimento de forma eficiente, com critérios técnicos e pautados pela economicidade e pelo interesse público”, pondera o ministro, que procura sempre debater em termos factíveis e realistas, como o leitor verá na entrevista a seguir.

 

Com fôlego renovado, o Ministério dos Transportes rapidamente elencou as ações prioritárias que compõem o Plano de 100 Dias, divulgado em janeiro. Trata-se de um conjunto diversificado de pontos de atenção que podem ser resumidos em “recuperar rodovias, ampliar o transporte ferroviário e salvar vidas”. No curto prazo, há também a intenção de preparar o país para escoar a próxima safra de grãos e atrair o capital privado com um portfólio robusto de ativos.

 

Outra marca do Ministério, herdeiro de parte das atribuições do antigo Ministério da Infraestrutura, promete ser o compromisso com o meio ambiente e as práticas de ESG (ambiental, social e governança, em português). “Temos diretrizes internas e políticas voltadas para criarmos infraestruturas verdes no setor de transportes”, assevera Renan Filho, cacifado por dois mandatos como governador de Alagoas.

 

Podemos esperar, daqui para frente, um novo ciclo, com mais investimento público em infraestrutura de transportes?

 

Com certeza. Ter mais recursos, no entanto, não significa muito se não houver boa gestão para executar esse investimento de forma eficiente, com critérios técnicos e pautados pela economicidade e pelo interesse público. Temos o desafio de manter e recuperar boa parte dos 65 mil quilômetros de rodovias federais sob a jurisdição do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Já estipulamos metas para as equipes técnicas do Ministério. Até o fim do ano, a avaliação da qualidade da malha, que nós medimos por meio do ICM (Índice da Condição da Manutenção), precisa necessariamente ter subido de patamar. Vamos também perseguir uma reversão do viés negativo dos últimos anos apontado pela própria CNT, na Pesquisa CNT de Rodovias. Essas avaliações, por serem críticas, são importantes para que possamos fazer melhor. No caso das ferrovias, entendemos que a expansão efetiva da malha precisa se dar de forma mais célere. Ainda que os projetos demandem tempo para estudos e obras, estamos revisitando o marco regulatório e estudando como aprimorá-lo para ajudar a destravar o investimento privado no setor. Sabemos da complexidade e do volume de recursos demandados em projetos de estradas de ferro. Ocorre que o Brasil não tem mais tempo a perder. Esse atraso custa dinheiro ao país. Precisamos equilibrar nossa matriz de transportes, modernizar nossa logística o quanto antes, reduzir custos e aumentar a competitividade do nosso agronegócio no mercado internacional. Estamos falando de geração de riqueza, criação de novos empregos e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Temos urgência na retomada de um ciclo virtuoso da nossa economia. E a infraestrutura de transportes, sabemos, é fundamental nesse processo.

 

No lançamento do Plano de 100 Dias, o senhor mencionou que os esforços estarão concentrados em “obras estruturantes”. O que essa expressão abarca?

 

Estava me referindo a ações desencadeadas no curtíssimo prazo, priorizando os principais corredores logísticos do país, por onde se dará o escoamento da safra recorde que teremos agora. São rodovias que atravessam vários estados, de norte a sul, e impulsionam o desenvolvimento regional. Veja que, pela primeira vez, os portos do Arco Norte terminaram 2022 superando o Porto de Santos em volume de grãos exportados. Por lá – estou falando de São Luís (MA), Santarém (PA), Barcarena (PA) e Itacoatiara (AM) –, também está chegando boa parte da carga de fertilizantes importados. Por isso, vamos investir R$ 1,5 bilhão na manutenção das rodovias que conectam os principais corredores a esses portos. Temos, ainda, foco na manutenção do corredor Sul-Sudeste, que terá muita movimentação de caminhões e vai demandar mais R$ 1,2 bilhão. Importante destacar que estamos atuando de forma cirúrgica e, em especial, conseguimos recompor o orçamento para investimentos, que vinha em queda desde 2014. Até o final de 2023, reafirmo, vamos reverter a tendência de piora da malha rodoviária, que se agravou nos últimos quatro anos. No longo prazo, dispomos, além de planos setoriais, do PNL (Plano Nacional de Logística) 2035, documento técnico com um conjunto de dados, informações e cenários futuros, que nos auxilia, de forma estratégica, nas discussões e no processo de tomada de decisões. O que vislumbramos, desde já, é a necessidade de ampliarmos urgentemente a oferta de transporte ferroviário de cargas. E vamos trabalhar para isso virar realidade no menor prazo possível.

 

O que será feito para melhorar a divulgação da execução física e orçamentária das obras públicas?

 

Entendo que transparência na execução de recursos públicos é uma obrigação de qualquer gestor. Não combina com a decretação de sigilos, como vimos no governo anterior, para questões que são do interesse público e não comprometem nem a segurança de Estado e nem da autoridade. Nesse sentido, o Ministério dos Transportes fará a sua parte, prestando contas, seguindo a legislação e atuando em estreita parceria com os órgãos de controle. Acredito que possamos ir um pouco além, mas precisamos discutir internamente no Ministério e com a CGU (Controladoria-Geral da União) para estudarmos instrumentos que possam dar ainda mais visibilidade ao andamento das obras e à execução orçamentária dos contratos.

 

O Plano de 100 Dias inclui, também, a entrega de rodovias concedidas. Que tipo de relação o Ministério espera construir com o setor privado?

 

A melhor relação possível. Já fui governador por duas vezes e sempre trabalhei com o setor privado para viabilizar melhorias nas estruturas e nos serviços à população. Em 2020, por exemplo, Alagoas foi o primeiro estado a aplicar o novo marco legal do saneamento. Realizamos três leilões na B3 para a concessão de três blocos, integrados por diversos municípios do estado. Até 2033, teremos 90% da população alagoana beneficiada com esgotamento sanitário. Cito esse exemplo porque entendo que este seja um bom modelo de concessão equilibrada, que não inviabiliza o negócio para o investidor, mas que, acima de tudo, assegura o interesse público. No caso das rodovias, o princípio é o mesmo. O negócio precisa ser bom para o concessionário e para a sociedade. Para mediar essa relação, temos uma agência com autonomia, que é a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Já em relação às ferrovias, é preciso aprofundar um pouco mais, tanto no caso das concessões como das autorizações. Não é razoável crer que o privado vá assumir a construção de longos trechos de estradas de ferro, como numa concessão greenfield, sem a participação financeira do Estado em alguma etapa. É um investimento muito elevado e que não se paga em pouco tempo. Acredito que o investidor privado consiga, sim, realizar a execução de trechos mais curtos, de ligação com os grandes ramais, viabilizando sua própria operação comercial por meio do regime de autorizações, que precisa, por sinal, ser aprimorado para evitar ferrovias de papel. Grandes projetos, estratégicos para a modernização da nossa logística, demandam outra visão, outro modelo, com parcerias sólidas nas quais o Estado não pode abrir mão da sua atribuição, sob pena de inviabilizar a política pública e travar o desenvolvimento do país.

 

Com relação às concessões previstas e ao PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), o que se herda da pipeline anterior?

 

Todos os projetos habilitados pelo PPI seguem o seu trâmite e todos também são passíveis de ajustes naquilo que entendermos, em conjunto com o TCU (Tribunal de Contas da União) e com a sociedade, como o melhor para o país sob o ponto de vista estratégico, dos investimentos e do interesse público.

 

O senhor poderia comentar, especificamente, sobre a situação da BR-381, apontada pelos estudos da CNT como uma das rodovias federais mais letais do país?

 

A BR-381/MG está entre as prioridades da minha gestão. Dentro dos cem dias, vamos entregar, agora em março, a duplicação do trecho entre Jaguaraçu (MG) e Antônio Dias (MG). Trata-se de uma rodovia vital para Minas Gerais — e, portanto, não pode mais ser “da morte” — e que demanda muito investimento. O Dnit vai fazer sua parte dentro do que for possível com o orçamento disponível para o país. Pretendemos avançar no processo de concessão do trecho da rodovia Belo Horizonte-Governador Valadares, que está em análise no TCU. É preciso encontrar a equação certa para garantir os investimentos privados e a oferta de serviços sem pesar demais no bolso dos usuários. A relação custo-benefício deve ser sempre positiva. Senão, algo estará fora de lugar. Além de trazer mais segurança às pessoas, a duplicação da BR-381 vai melhorar o escoamento de produtos agrícolas, pecuários, de mineração e industriais da região. Já a BR-262/ES, outra rodovia importante, está em avaliação para que o projeto de concessão também possa avançar. Temos muito por fazer em pouco tempo.

 

Pode-se dizer que a pasta estará alinhada aos pilares do ESG?

 

Sem dúvida alguma. Aprimorar a governança, perseguindo a conformidade e a integridade, e estar comprometido com a responsabilidade socioambiental são preceitos éticos das organizações e das pessoas do nosso tempo. Temos diretrizes internas e políticas voltadas para criarmos infraestruturas verdes no setor de transporte. Projetar infraestrutura resiliente é a chave no processo de adaptação climática. Veja que, para cada dólar aplicado em infraestrutura resiliente a desastres, são economizados US$ 4 na sua reconstrução. Esse é um dado da ONU (Organização das Nações Unidas). Temos visto no Brasil, a cada ano, nos períodos de chuvas, estradas e pontes sendo destruídas e demandando tempo e recursos para serem reconstruídas. Nosso planejamento já leva em consideração as questões climáticas na estruturação de novos projetos. Pretendemos buscar, igualmente, o compromisso de empresas, construtoras, operadores e concessionários com os princípios da agenda de ESG. O acesso ao financiamento no mercado global, hoje, está atrelado a isso. O Brasil precisa estar à frente dessa agenda e liderar a infraestrutura verde na América Latina.

 

O senhor já disse que o Ministério dos Transportes precisa ir além do aspecto técnico e ter um olhar mais humanizado, atuando para prevenir acidentes e evitar mortes. Qual deve ser o papel da Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) para a consecução desses objetivos?

 

A Senatran já tem uma função bem definida, por lei, como órgão máximo do Sistema Nacional de Trânsito. Precisamos ampliar nossa articulação para envolver mais atores e conscientizar cada vez mais gente. Devemos aprofundar a parceria com o Ministério da Educação e com as secretarias estaduais e municipais de educação para institucionalizar a educação para o trânsito, que poderia, por que não, compor a grade curricular a partir da educação infantil. Estamos falando de reforçar uma cultura de não violência e de respeito absoluto à vida. Seja como pedestres, ciclistas ou condutores, conviver com o trânsito de veículos é parte do nosso dia a dia. Em outra frente, precisamos capacitar e aperfeiçoar nossa engenharia de tráfego, melhorar a sinalização das vias, a qualidade do pavimento e do traçado das rodovias e ampliar a fiscalização e o transporte ferroviário de cargas para reduzir a quantidade de caminhões nas estradas. Esse é um conjunto de ações que, somadas, podem fazer a diferença na segurança das pessoas. Todos somos responsáveis por cada um.

 

O senhor fala em reequilibrar a matriz de transporte brasileira, de maneira a aumentar a participação do modal ferroviário. O Plano de 100 Dias menciona, entre outras coisas, a revisão do marco regulatório das ferrovias e a estruturação do Programa PPP Ferrovias. Como o senhor resume as novidades preparadas para esta modalidade?

 

Nomeamos como secretário de Transporte Ferroviário uma pessoa extremamente qualificada (Leonardo Cezar Ribeiro), que conhece o tema e vai nos ajudar a destravar esse que é um dos grandes anseios da sociedade e do nosso governo. Foi o presidente Lula, aliás, que destravou, no seu primeiro mandato, as obras da Ferrovia Norte-Sul, iniciadas pelo ex-presidente José Sarney, e que, finalmente, será concluída neste ano. Foi também o presidente Lula que iniciou a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), cujo trecho concedido deve entrar em operação até o final do governo, e a Transnordestina, projeto fundamental para o desenvolvimento da região Nordeste, que está sendo viabilizada e está entre as nossas prioridades. A negociação de renovações antecipadas, havendo sinal verde do TCU, pode ser um caminho para se buscar novos aportes de investimentos. Não temos preconceito com o setor privado, desde que o interesse público esteja assegurado. Sobre o transporte de passageiros, sou entusiasta da ideia, mas é preciso haver parceiros interessados em investir nessa modalidade. Seria muito bom que pudéssemos encontrar caminhos para tornar esse negócio viável. Posso prometer, apenas, que vamos trabalhar muito.